segunda-feira, 19 de abril de 2010

Breve percurso da Consolação à Pça. Roosevelt

Sentir-se atraído por alguém é o mesmo que acionar uma bomba relógio atada à goela. A sensação é a mesma. Impossível. Frustrante. Deliciosa. Por mais que pontas de dor existam, as dobras de prazer transpassam. E mesmo que a explosão seja inevitável, ela trás dentro de si uma quantidade enorme de rostos, mãos, palavras, anseios e copos.
Deixou que a sensação se internalizasse.
Ele deixou mais que duas palavras sobre o criado mudo. Mais que uma vontade. Deixou ali uma parte doce da sua palma, uma manhã pra ficar na memória, simplesmente um dia na sua imaginação. Rabicou. Rabiscou. Reescreveu. Amassou. E deixou dentro do lixo todas as cinco linhas que tendiam a denuncia-lo. Ficou livre dos seus amores, deixou que seus vinte e cinco paragráfos fossem preeenchidos por tabelas, relatórios, manhãs com rostos novos, velhos, fotografias aleatórias. Deixou dentro daquele lixo alguma coisa de si.
Ela nem mesmo respirou. Ficou parada atrás da porta. Na ponta dos pés. Silênciosa.
Dentro, pulsando, repirando solto, como se houvesse um imenso horizonte rosado a sua frente. Livre de qualquer gaiola. Respirando rápido. Deixando um passo de cada vez preso na sombra do chão. Entre as linhas do asfalto.
E no fim do dia, nada ocorreu além do esperado. Ele ao lado do telefone, submerso em copos de café. Ela em algum lugar distante. O lixo cheio de resquícios emocionais. E o peito amarfanhado sem respostas para as noites terrivelmente iguais.

Na distância de uma lance de escada ou dois ou mais

Escrevi uma série de tentativas. Por vezes furtivas. Noutras descaradas. Algumas me escaparam aos olhos. Mas nas suas letras eu fico imersa, mesmo no silêncio. Na distância muito maior que dois lances de escada. E desde o primeiro dia, quando minha retina esbarrou na linha que te forma, poucas outras tomaram importância. Uma ansiedade me prende, uma felicidade infantil, uma prévia de desejo. Ali, encostada na pilastra que separa o corredor do pátio, linda, simplesmente linda. Sem precisar de esforço, sem precisar de palavras. Ele deu um pulo, parece folhetim de terceira categoria, mas ele deu um pulo, as gavetinhas foram todas desorganizadas dentro desse peito curioso. E ele tem ficado a espera, sem saber se corre, grita, se joga de vez ou se retraí num silêncio de aparente indiferença.
E quando acho que toda essa maré vai desembocar num céu constelado, encontro detalhes que deixam claro uma impossibilidade. Um roteiro de cinema ruim e convencional. Que posso fazer além de esperar? Até um fim não declarado me acertar direto no queixo. Entre um e outro corpo me distancio, na fria tentativa de não pensar em você. Que posso fazer?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os dias estacionados [na vaga para deficientes] de um homem ridículo


Ninguém tem nada a ver com a dor de coluna. Se ele some por uma semana ou mais e aparece como um fantasma num determinado dia cobrando preocupações. Ninguém tem nada a ver com sua fuga de toda e qualquer responsabilidade. Com a sua fuga do mundo que quer acolhe-lo entre suas engrenagens. Ninguém tem nada a ver com seus julgamentos, seus excrementos verbais nas horas alcoólicas. Nos seus silêncios sem nada para dizer de útil quando as conversar surgem a todo vapor. Ninguém tem nada com isso. Se ele é a merda de um depressivo depreciativo, um animal sentimental que corroi as próprias tripas na busca de um consolo. Ninguém tem nada com as suas letras retorcidas, os seus apelos mudos por colo. Ninguém tem nada que melhorar a primeira imagem que fez dele. Ninguém
E
Esse ninguém é que tira suas noites de sono, suas forças mundanas que acabam em masturbações irreais com pessoas que nunca o viram com possibilidades incapazes de existir pela simples inércia do sonhador. A mascara da vítima ficou colada a sua face como se fosse sua sempre. Era uma brincadeira. Era uma defesa. Virou um hábito. E hoje ele pode se considerar apenas uma sombra de tudo que poderia ter sido. E cada hora que passa se torna mais tarde e longínqua a mudança. Ele já não quer. O corpo acostumou-se a posição parasitária.
Ninguém tem nada a ver com a idéia de por uma bala na cabeça e deixar os respingos de sangue mancharem a parede branca, que nem é tão branca, é cheia de marcas de gordura de seus dedos, que na busca por uma fuga a percorreram fugazmente. Mas quem em sã consciência imaginaria dele todas essas impressões? Quem? Se das raras vezes que o viam ele parecia tão seguro, tão cheio de compromissos, tão cheio de palavras, datas horários, pessoas e números de telefone. Quem poderia imaginar que ele passava o dia inteiro trancado dentro de casa, nas paredes suburbanas da sua casa, ardendo entre sonhos de lugares comuns, com coisas que as pessoas comuns tinham. Com coisas que ele teria se saísse da inércia. Quem?
Perceberia que por trás de toda a afetação existia uma solidão inabalada, que nem poderia caber num corpo tão mirrado. Que haviam sonhos tão grandes que a saliva se extinguiria na metade deles. Quem saberia de toda essa fauna de extremos, pesadelos e paixão se na sua face nada estava escrito e ao seu redor havia um pântano de pequenas intrigas e um invisível arame farpado?