quarta-feira, 10 de outubro de 2012

sem título perfeito

Tem algo de apaixonantemente sério nos seus olhos. Uma beleza bruta, lapidada por movimentos recobertos de silêncios. Algo de abismo. Inacessível. Magnéticos seus olhos vão me arrastando pelas horas, passeio nos pensamentos numa tentativa de desvendar um meio segredo qualquer, pelo simples prazer do jogo. A total estranheza da relação me traz algo furtivamente literário, romântico, como todas as coisas que me transpassam. Algo de paixão, de nuvem, de simples flerte. Mas os seus olhos tem uma qualidade que me consterna: eles me atravessam e já me emudecem a boca antes da primeira palavra, você me adivinha na minha obviedade. Chega a ser charmoso. Mas num contraponto, há algo de tão delicado no seu interior, um pequeno ponto multicor que me chama além da face levemente dura, quando assim se pretende. Algo de terno e sedutor quando sorri ou quando apenas silenciosamente passa com um olhar profundo.

sábado, 4 de agosto de 2012

Todo amor é uma forma de embuste

domingo, 22 de abril de 2012

Contabilidade

Parece um tempo esgarçado demais, poroso demais. Invasivo, quase obsceno, esse que me separa de mim. Isso de ser alguém atada ao relógio e alguém que fica dormindo nos telhados entre breves encontros lunares. Aquela leveza quase adolescente, romântica, que embriagava as noites. Como damas da noite abertas, meus pensamentos ficavam flutuando acima das preocupações do resto do mundo. Não existia o resto do mundo. Apenas instantes hedonistas numa solidão plácida. Agora parece plácida,mas é sempre assim, os anos trazem roupas novas pra velhos dilemas e talvez os tornem menos desagradáveis. Eu ainda assim, não queria os relógios. Eu ainda assim sinto esvair algo de muito meu, furtivamente. E sinto doer, mas não aquela dor colérica, abdominal, cega, mas uma dor muda, repentina. Como pernas cansadas num dia de sol na beira do mar. Essa dor de não poder ser mais tão intensa. E fica assim.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A.G

tenho um pássaro azul dentro de mim... lendo o velho safado e assim ele me traduz. Pensando nos seus instantes, sorriso, e o azul dentro de mim quer transbordar, deixo gotas pingando pingando entre meus dedos suaves, mas nunca deixo a enxurrada de céu e mar dentro de mim vazar por completo. Eu represo. Fico assim sem a minha leveza de origem, mas pesando os passos num silêncio não meu. Mas não, não é um processo doloroso, é apenas um segurar o tempo com os dedos, evitar que rápido demais se rasgue a pele. Existe beleza em todas as coisas eu sei, eu as encontro, determino, acaricio, mas agora, nesse instante, a minha beleza, a que me chama a atenção através das paredes, é a sua A. E o alfabeto começa seu ciclo. Assim sem peso, sem querer, de um magnetismo de vendaval. Do jeito que eu gosto que seja, gastando o açúcar dos meus desejos em grandes colheradas até ficar sem gosto e depois num desajeito voltar.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Notas de um dia qualquer

De alguma forma inconsciente você tenta fugir de algo. De uma coisa meio nova, mas velha no seu vocabulário sabe? Aquilo que sempre consta no CV mas nunca na sua derme. De alguma forma você tenta fugir e tão perto de envelhecer, velhas dívidas ( que a sua língua fez) aparecem sobrepostas e te cobram respostas, ou melhor, efetivações. Sopros de vida. Todo o barro amassado por diversas pisadas iguais fica ganindo por um sopro de vida e você se sente tão velho e tão triste. Talvez pela perda de tempo, pela exaltação inútil e nervosa, quando basta apenas ir e fazer. Ou talvez porque você perceba,que com o passar do tempo, aquele friozinho na barriga, aquela ansiedade tão gostosa pela vinda dos anos tenha se perdido. E agora com indiferença já é quase véspera. Talvez esse seja o legado mais infame da velhice: a perda das borboletas, dos calafrios.

Mas, e sempre, mas de alguma forma oculta, num nó dado em volta do seu pescoço, a razão da sua fuga seja de fato apenas um desvio para o retorno ao frio na barriga, que talvez exista ainda, mesmo que minúsculo, nesse pânico bobo de abrir os olhos de manhã e ser a mesma pessoa, só que com quase vinte e sete.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tempestades de verão

Me traduza pelas minhas músicas. Pelas minhas tristezas nem tão escondidas assim. Mas elas são falsas. São apenas gavetas vazias. Eu sou um armário. Entrei nessa pira. Eu sou um armário, cheio de roupas fora de moda e muito gastas jogadas. Mas eu tenho gavetas vazias. Parecia muito, mas é tão pouco. Essa coisa toda não me preenche. Não me faz. Ainda não faz. Depois de tanto tempo, parece o mesmo disco arranhado repetido inúmeras vezes. Você sabe do que eu falo, assim, quando eu sempre... Eu sinto isso aqui, isso, arrancado, um vazio espetacular. Uma foto de paisagem sem paisagem alguma, ou, ou com algo muito líquido, uma paisagem líquida. De humores vagos, como tempestades de verão, inundadas de raios de sol e gotas de gelo. Minha paisagem interna, melancólica, admito. Mas tão minha, como as mãos, que indecisas percorrem as possibilidades de traços, recheios e caem inertes num cansaço. Num vazio. Numa sensação de não pertencerem a esse mundo. A esse lugar/corpo/tempo.

Eu queria poder sumir nos dias de chuva.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Café

Um coador de café logo após sentir a quentura da água e o peso saindo pelos poros, fica assim atordoado. Um vazio se instala. Ainda há rastros borbulhantes na sua extensão, mas o calor não é o mesmo. E a sensação de utilidade já se foi. Resta a pia, a companhia dos copos, xícaras ainda enfumaçados, dos pratos com restos delicados de morango e creme. Um fim de tarde escoado e algumas vozes agora distantes e baixas sumindo da cozinha. Mas na memória, sim, coadores de café tem memória, fica aquele calor, aquela morte quente que o desfez fibra a fibra até se recompor numa morna massa marrom entrecortada de suspiros. E após lavado, horas depois, ainda na fibra, um sutil amarronzado fica na fibra. Até o dia em que o amarelo e o marrom carcomam por inteiro o branco do tecido, ou que as mãos se cansem de lavá-lo e venham a substitui-lo os frios e inumanos coadores de papel.