quinta-feira, 23 de julho de 2009

Comentário para um dia sem fim e sem relógio

Deixei espaços sem preenchimento, mudei a fonte dos meus pensamentos, todas as coisas são fora de ordem , jantar as onze e meia , café da manhã ao meio dia. E eu não me importo, só quero que a rotina não me pegue pelas mãos, gosto das seis da manhã, o ar ainda fresco, sem pessoas respirando afoitas e eu gosto demais de estar com algo que me conduz o riso. Algumas palavras pra tentar transcrever isso. Que desde que meu livro favorito voltou a estante, não passo um dia sem reler algum trecho e descubro sempre palavras novas que eu não sabia. A ordem das cenas não importa, os cachorros não correm só atrás de carros e do próprio rabo,de vez em quando eles fazem mais que isso.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Pedaços da manhã numa sacola de plástico


Pareceu um enigma quando ela sorriu. Deixou pra trás um rastro de dúvidas e talvez algum pudor. Deixou para trás toda a cola que tinha no amor, sem sapatos alçando vôo pelas ruas de asfalto frio. Saiu sem jaqueta de aviador, sem poemas, saiu assim como que vai comprar cigarros pra nunca mais voltar. Deixou sobre a mesa as propostas, as idéias a mesa posta com a xícara de café pra caso você chegasse antes de ela resolver voltar. Poderia esperar por ela, assim sentado na mesa tomando café e ouvindo algumas das músicas favoritas que ela havia reservado pra esse momento. E apesar disso não ser premeditado. Em momentos de raiva ela até ensaiou o ato, mas sempre voltava atrás. Não se agüentava no silêncio. Precisava berrar que estava ali.


Saltou a rua de prédio em prédio por cada andar como uma lufada de fumaça parecia atravessar as paredes tamanha a leveza que se apoderava dela a cada passo. A cada metro que se distanciava. Sentia as pernas soltas, maiores do que de nascença. Espichava as mãos para o alto, na certeza de tocar as estrelas escondidas atrás das nuvens, adormecidas ainda naquela manhã sem rosto. Retirava do relógio uma hora por dia, antes roubava dele essa essência. O tempo cada vez mais perdido em relação a ela. E ela se divertindo.


Vestia pedaços de calmaria pra se aninhar. Atravessando paredes como respiro. Pareceu um enigma quando ela sorriu. Parecia até triste quando ela disse “sinto sua falta e odeio isso”. E de certa forma pareceu infantil. Mas era uma despedida. Agora que as horas se afogam e ela não volta da padaria. Era uma despedida e só você não percebe aquele jeito meio idiota dela de te dizer adeus.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Quem sabe amanhã?

Pedaços de papel voando pela janela de um apartamento. Fotos. Letras. Coisas intactas. Coisas inteiras. Caindo sobre os transeuntes como chuva, pesada, até um pouco cortante. Nacos de olhos, de frases, de poeira remexida. Um chão recoberto não de estrelas, mas de pedaços antigos de memória.

Jogou tudo que pertencia ao ontem fora. Todas as quinquilharias que pesavam sobre os seus móveis. Porta retratos, livros amarfanhados, pijamas velhos e suados. Tudo pertencente ao ontem passou pela tira da tesoura. Pelo azulejo português das unhas. Deixou apenas o indispensável. A camiseta do Clash, os CDs do Portishead e os Livros de Neruda. Ao resto, apenas o ar como resposta. Remexeu nas gavetas em busca de alguma coisa que ardesse. Achou um garrafa de conhaque. Fazia tempo que não se inundava. Passou os dedos pela beirada de um corpo de vidro trabalhado. Despejou a dose e sentiu o cheiro inebriar seus pensamentos.

Pegou uma das fotos rasgadas no chão. Não lhe dizia nada. Era um pedaço de rosto retalhado, como num filme de terror tipo B. Ainda curioso apanhou uma das folhas de papel amarfanhadas. Uma letra delicada, mas às vezes caricata, agressiva. Uma prosa? Será? Não tinha nada pra fazer. As pessoas passavam relutantes. Empurravam. Erguiam seus relógios dos pulsos indignadas. Como alguém poderia ficar catando pedaços de papel em pleno meio dia?

Desdobrou ainda um passo. Braços soltos pelo apartamento semi nu. Ouvia música leve e solta como um pássaro que tem a gaiola arregaçada. Respira. Ri.

Sentado no meio da calçada montando aqueles restos febris de palavras. A plena curiosidade de chafurdar na mente de um estranho? Ou de uma estranha? Estranha. A letra era coreografada demais para pertencer a um homem. Ordenava frases e ordens de paixão a medida que a caligrafia saltava ou ressentia. Desmentiu os relógios na passagem do tempo. Alongou-se em curva sobre o asfalto sedento de algo que não era seu.

Sentada numa poltrona verde antiga meio gasta. Por mais que se ressentisse, tinha prazer no que era velho. Gostava do cheiro do mofo. Era afeita ao sono que este lhe causava. Balançava os pés. O celular desligado. O telefone retirado do gancho. Somente a música preenchendo a lacuna que a noite abria. Pequenas estrelas corriam o céu estiradas de suas camas. Resolveu dar um passeio. Tomou um banho. “Magenta” tocando enquanto as gotas caiam sobre seu corpo. Morno. Enfiou-se no seu jeans favorito. Jaqueta preta e um cachecol. Ventava um pouco. Não fechou a janela, que o ar entrasse e retirasse o que sobrou da poeira dos seus pensamentos. Desceu as escadas. Um pouco de exercício para desgrudar o conhaque da língua. Na rua, abaixo da sua janela um imenso mosaico remontado das suas emoções perdidas. Um estranho jogado sobre elas em contemplação. Ela deveria se assustar. Mas se limitou a corrigir a última peça do poema. Sorriu.

Ela simplesmente sorriu. Deixou os passos ainda frescos e quentes pelo asfalto. Eu a conhecia mais que qualquer outra pessoa. Olhou para trás sem parar o passo. Segui o recado. Numa cafeteria próxima tínhamos ambos muito assunto. Por mais cinco horas e seriamos estranhos novamente.

O lixeiro passa com a sua vassoura, puto da vida por aquele lixo espalhado. Não viu a forma, o enredo, o acaso. Apenas o lixo das palavras em pedaços rasgados de papel. A falta do que fazer das pessoas, pensava ele. Deve ser um daqueles artistas plásticos moderninhos. Varreu tudo para dentro da pá e depositou sem importância dentro do carrinho de lixo.

A noite corria sem sustos. Tudo imprevisível, mas ainda assim dono de uma calma quase irreal.
O ataque dos RGs mutantes vindos de Marte

Fenda esburacada e cheia de dentes, a boca letárgica fica afeita as lembranças de discursos velhos, a pastiches, a clichês. O famoso dueto. Fico penando feito alma de filme, sem ter o que fazer, absorvendo as coisas que pobres chegam ao meu abraço. Corrijo as linhas, amanheço-as de um novo ponto de vista, mais irreal, talvez menos maduro. Perco o horário de propósito. Nunca cumpro prazos, gosto da idéia da irresponsabilidade consciente. Prendo o relógio numa forca e redijo uma extrema unção com açúcar de bala de goma. Adeus ao tempo e a todos os pretensos compromissos hipertensos. Que morram com formiginhas de Buñuel nas bocas. Alcanço a rua em poucos instantes munida de caneta e papel. Nos olhos opacos das pessoas reescrevo suas histórias e arranco de seus bolsos os Rgs. Identidade é pra que tem onde viver. Não apenas ficar vagando feito eu num limbo de relógios assassinados e romances eternalizados na desgraça de seus finais. Decadência é uma questão de ponto de vista e de classe. Charme barato pra pretensos malandros. Boca do lixo se foi nos anos 70. Maloqueragem da fina num saco preto correndo a rua Augusta cuspindo apitos. Palpite? Acho que deu curto na boca do cérebro e ele gorfou todo o aprendizado em fascículos dominicais. Espasmos secos de sensibilidade. Perdendo a noção de enredo. Qual a verdade? Sei lá. Procura no Google. Está lá em algum lugar. Internalizada em algum link fantasma. A boa da vez é a minha insegurança. A minha vantagem extra sobre o resto dos anormais. Afinal de contas a anormalidade é um bem adquirido. Por acaso, dentro do RG, nas filas do banco, no tratamento das senhoras de respeito para com nossas miseras diferenças. Não é mais questão de ofensa. É de senso crítico. De senso estético. De médicos. De clinicas. De espasmos. De parques. Vidas piratas enquanto o mundo explode na última mega produção americana. É o fim mesmo. Não do mundo, essa bola vai ficar vagando no espaço por muito tempo, mas as pessoas, ah, essas são conchas sem graça, brancas, sem perolas, achando que contém toda a esperteza do stand comedy. E a minha fenda segue destilando um veneno perfumado e pervertido por todas as ruas. Enchendo os bolsos dos transeuntes de poemas, de tristezas, melancolias, megalomanias, manias alheias. TROCO RG POR POEMA, QUEM VAI? Ninguém.. A poesia louca não agrada a todos os estilos globalizados e fictícios.

A identidade é uma farsa assim como meu riso.
Cartas iletradas para um desejo rabiscado

O que me move? O que me move? Qual o tema de tudo que faço? É urbano? É solitário? É movediço? É quebradiço? É desejo o meu tema ou o que me move? A pergunta ecoando na vigília pelos trabalhos já retirados da tela. Pelas coisas inanimadas que esperam final. O que me move? O que meu corpo diz quando segura a pena? O que minha cor diz quando destrincha a tela? O que meu coração faz dentro dessa caverna? Se não há nada para ele lá? O que é que há? Quando o desenho sai na mesma posição, fazendo o mesmo trajeto solitário, incompetência do traço ou idéia diluída? O que há por trás das linhas? Do avesso não vejo e de frente remonto a todas as coisas que não entendo. Tédio. Solidão. Falta de perspectiva. Memória recorrente. Incompletude. Falsidade. Idéia recorrente do meu ego doente. O que há por trás da mente quando joga as formas no quadro, quando transpõe os corpos em novos espaços. Quando as idéias insurgem milimétricas é pela falta de talento ou de força que se esvaem em pensamentos degenerados? Pra onde vai tudo que não é realizado? Que gaveta, que porta guarda esse tesouro abortado? Onde se inicia o refluxo da mente, pra trazer a tona toda a forma que não vivente e reclusa clama por uma saída ao mundo?

Minha cabeça vagueia desrosqueada de qualquer porto. Feita para içar pensamentos de seus reclusos e obscuros buracos. De uma tela para um texto pra um romance para uma música pra uma lembrança pra um dia pra um pedaço de gengibre reboco dorso sal. Pulmões cheios de alguma coisa que não é ar, alguma coisa que se parte e se reparte em novas aflições irreais. Adio a corrida pela sobrevivência por mais um dia. Adio a reversão das posturas por mais uma hora e reativo conflitos pra passar o tempo. Redijo poemas impossíveis de declamar,histórias improváveis de se admirar, uma prosa seca para coçar a goela dos repuxos. Minha prosa é assim incoerente e esburacada, asfalto de estrada federal rodando dentro de si mesma e se carcomendo brutalmente na insensatez dos romances malditos e das letras incorpóreas. Meu jogo favorito é a alucinação. A imaginação póstuma dos sentimentos, realimentar as paixões com dejetos desagradáveis até que eles virem palpáveis e depois de um tempo plausíveis e descartáveis. Afinal, o que me move? Vou de um lado a outro, numa máquina gigante e intensa de pinball. Sentindo os solavancos que por vezes me amortecem os lábios e regelam meu sangue num momento raro de lucidez. Os olhos roxos e inchados polidos de sensibilidade lacrimosos e sem respeito. O desejo puro e grotesco de mover o mundo como um besouro rola bosta faz. Afinal às vezes o mundo é uma bosta mesmo. E as pessoas idem. Não me excluo nem me incluo em nada, para mim não existe um lugar próprio, propicio próximo. Existe a inexatidão que me precede que tira o entendimento, apenas os lamentos recobertos de palavras doces. Apenas sensações fantasmas vagando.

E no final do dia, quando as horas já se desmitificam e a noite já se recobre de frio e bolor eu ainda não sei o que me move, ou que antes me mantém nessa pretensa letargia que me acomete por vezes, por anos inteiros. Enfermos beijos se desgastam na oxidação das laterais do espelho. Meu rosto, um compêndio de grandes ilusões.

sábado, 11 de julho de 2009

Não cumpro minhas promessas. Remessas de carta sem remetente, sem destinatário. Ergo ao firmamento minha voz e nada sai. Grito surdo, precavido contra o movimento, não chama a atenção. Chego a correr nua pelo asfalto molhado, cheia de loucura. Movida por intenções que já não são minhas. Onde você olha? E quando olha o que vê? Não há resposta. Eu passo muito rápido, cometa em queda, incendiando metade das formas de vida. Inclusive a minha. Não cumpro promessas, não esqueço os nomes que deveria esquecer,ouço Freelove, Strange Effect e Bolero de Ravel. Fico submersa nas minhas agonias. Relevando o bom senso pra casa do nunca mais. Efeito? O efeito paranóico da corrida sem rumo, sempre na batida vertiginosa. Esmurrando facas com unhas de porcelana. Esmurrando prédios inteiros, andar por andar na busca do meu sentido.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Ana Karenina & George Trakl: primeiras impressões de um reencontro

Quando a revolta bateu no peito feito tambor que estoura na pancada, no açoite da mão, o peito daquela que antes era aço alçou vôo. O que era silêncio virou deserto, tempestade de areia entrando nos olhos marejados por pensar em poemas em letras em cifras signos para uma concordância. Ela tinha a certeza do erro e nada mais. Permaneceu em silêncio após ter sido momentaneamente arrebatada por aquele calor, aquela incerteza, aquela dor.

O silêncio veio aos seus braços em doses fartas, na espera de um fonema, aguardou ao lado do telefone. Por alguns minutos deixou-se ser presa desse vício tolo e ultra romântico. Avistou da janela o movimento bucólico da rua e de seus transeuntes encurvados como grandes médios e pequenos pontos de interrogação. O inverno torcia os rostos em caretas descartáveis. Após algum tempo viu-se ridículo num fragmento de espelho. A espera, oh Deus, a espera. Apanhou o paletó e saiu a rua. Nada poderia esperar de um porta retratos que ganhara vida por dois segundos. Segredou no intimo de seus pensamentos uma esperança que ele sabia inútil. Mas era homem empírico, precisava do teste.

Ficou envolta em folhas cálculos e livros. Absorta no trabalho que lhe retirava toda a calma e lhe tomava todo amor. Se por algum instante lembrou- se do homem da semana, foi pouco. Sabia apenas que não deveria ter permitido o beijo que ele lhe dera com tanto ardor. Mesmo que ele não parecesse interessado, seus lábios tocaram com uma paixão acinzentada e descongelada o frescor dos seus. Mas era só isso. Dentro dela nada havia se movido.

Ele ficou um tanto perdido entre as folhas de papel que deveriam absorve-lo, a música deixou-o mais distante, mas quando ficava um pouco mais silencioso podia ouvir o som da voz, e ver o brilho dos olhos. Balançava a cabeça com veemência espantando aquele sentimento que ele sabia o fim, sabia todo o trajeto e sabia que nada haveria ali pra ele.

Ela tomou seu café e saiu mais tarde do trabalho, com alguns amigos foi a um bar onde flertou com algum rapaz de traços bem feitos, seus olhos brilhantes e escuros, como amêndoas não passavam despercebidos onde quer que aportasse. Seu riso era límpido. E bebia alegremente das cervejas postadas sobre a mesa. Ao final, lá pelas onze, foi pra casa no seu ônibus amarelo e deixou-se cair sobre um livro.

Ele debruçado na janela com uma xícara de café, acabara de chegar da faculdade e apenas dispensava seus antigos e leves contatos. Algumas mulheres o queriam o olhavam, mas de nada adiantava. Ele estava absorvido numa dúvida muito clara, se ela havia pensado nele por um minuto, e ele sabia que não. Que possivelmente não voltaria a vê-la e muito menos tocá-la. Suspirou e deixou cair sobre imensas e brancas folhas de papel o teor de seus pensamentos.

Para sempre perdidos os seus pensamentos e desejos voaram para um local distante, desligou-se de tudo que pudesse modificá-lo. Deixou sobre o papel suas primeiras impressões da terra. E ela em algum lugar deixara apenas o silêncio como resposta as perguntas mudas de seu eterno amante.
Atalho para um impropério

Cansada. De amores. De amares. Amarras. De pilares. De pistolas. De presídios. De indícios de coisas inexistentes. Cansada de palavras. De desgostos. De esperas. De esgotos. De delicadezas e preocupações para parte alguma. Cansada de abrir túmulos. De fechar feridas. De limpas pústulas. De fazer críticas. De limpar bundas com poemas pequenos. De ler e-mails tensos. De dobrar os joelhos e sentir o frio no rabo. De ser usada como se fosse pano de prato. Ela estava cansada de ser assim todo dia. De ser palavra cavalgada. De ser comida sem ter prazer. De só satisfazer. De lavar a roupa vomitada e nunca ouvir explicação de nada. De pagar a conta sozinha. De ser sempre bonitinha. Deu no saco toda essa ofensa travestida de silêncio. Toda a pretensa boa vontade dos alheios que só queriam um porto seguro entre seus braços caso não houvesse nada melhor pra fazer. Estava cansada de tentar escolher entre a mágoa e a solidão. Que ficasse sozinha então. Porque de todos os lados tentavam tirar partido da sua desenvoltura. Da sua sinceridade. E das suas vaidades. Da sua podridão. Da sua infelicidade e da sua incompletude. Ficava assim devastada na sua finitude. Afunilada entre paredes de tijolinhos de raiva. Sempre tijolinhos de raiva. Nos lábios ressecados como folhas no inverno, sentiu a grossura dos seus pensamentos, a pele lhe caia dos lábios como restos de reboco. Resquícios de uma doçura que agora se fazia velha. Ela se ressentia até pelo ar que lhe fazia cócegas por entre os rasgos do casaco surrado. Das pessoas que lhe faziam o riso amargo. Se sentia azeda feito limão galego. Cansada. Absurdamente cansada. Abriu a bolsa, tirou dela um resto de poema malogrado, um batom nunca usado, um resto de espelho craquelado e um par de agulhas de tricô enferrujadas,um toco de linha vermelho morango de gosto duvidoso. Sacudiu a bolsa de cabeça pra baixo um telefone rascunhado e poeira, aquela poeira azeda cheia de inquietações surgiu como uma nuvem estelar. Caindo sobre o chão com a lentidão de um esporro ou de um gorfo. Viu aquilo tudo no chão, era tão pouco, caramba, era tão pouco. Os seus interesses se resumiam a tentativas, a investidas, em soluções alternativas para problemas improváveis, em poemas, em canetas e em bares. Recolheu toda aquela sua vida insustentável. Sentou-se sobre o umbral da janela. Ali sem os sapatos sentia o vento passando de leve entre os dedos ressequidos. Lançou ao ar os restos de poeira de letras de caligrafias numerais tratamentos exigências nomes siglas, lançou tudo ao ar, sem desespero, o vazio intenso da falta de perspectiva. Ficou olhando os rodopios das pequenas insatisfações até a morte no asfalto. Passou a linha na agulha e escreveu com calma dolorosa sobre o peito insatisfeito, com linha vermelho morango que “ daqui nada mais se espera”. Caiu cansada sobre a linha tensa, desabada entre flagelos avermelhados, balançando na janela como bandeira vencida. Hasteada para a vizinhança na indecência do seu cansaço.