quarta-feira, 8 de julho de 2009

Atalho para um impropério

Cansada. De amores. De amares. Amarras. De pilares. De pistolas. De presídios. De indícios de coisas inexistentes. Cansada de palavras. De desgostos. De esperas. De esgotos. De delicadezas e preocupações para parte alguma. Cansada de abrir túmulos. De fechar feridas. De limpas pústulas. De fazer críticas. De limpar bundas com poemas pequenos. De ler e-mails tensos. De dobrar os joelhos e sentir o frio no rabo. De ser usada como se fosse pano de prato. Ela estava cansada de ser assim todo dia. De ser palavra cavalgada. De ser comida sem ter prazer. De só satisfazer. De lavar a roupa vomitada e nunca ouvir explicação de nada. De pagar a conta sozinha. De ser sempre bonitinha. Deu no saco toda essa ofensa travestida de silêncio. Toda a pretensa boa vontade dos alheios que só queriam um porto seguro entre seus braços caso não houvesse nada melhor pra fazer. Estava cansada de tentar escolher entre a mágoa e a solidão. Que ficasse sozinha então. Porque de todos os lados tentavam tirar partido da sua desenvoltura. Da sua sinceridade. E das suas vaidades. Da sua podridão. Da sua infelicidade e da sua incompletude. Ficava assim devastada na sua finitude. Afunilada entre paredes de tijolinhos de raiva. Sempre tijolinhos de raiva. Nos lábios ressecados como folhas no inverno, sentiu a grossura dos seus pensamentos, a pele lhe caia dos lábios como restos de reboco. Resquícios de uma doçura que agora se fazia velha. Ela se ressentia até pelo ar que lhe fazia cócegas por entre os rasgos do casaco surrado. Das pessoas que lhe faziam o riso amargo. Se sentia azeda feito limão galego. Cansada. Absurdamente cansada. Abriu a bolsa, tirou dela um resto de poema malogrado, um batom nunca usado, um resto de espelho craquelado e um par de agulhas de tricô enferrujadas,um toco de linha vermelho morango de gosto duvidoso. Sacudiu a bolsa de cabeça pra baixo um telefone rascunhado e poeira, aquela poeira azeda cheia de inquietações surgiu como uma nuvem estelar. Caindo sobre o chão com a lentidão de um esporro ou de um gorfo. Viu aquilo tudo no chão, era tão pouco, caramba, era tão pouco. Os seus interesses se resumiam a tentativas, a investidas, em soluções alternativas para problemas improváveis, em poemas, em canetas e em bares. Recolheu toda aquela sua vida insustentável. Sentou-se sobre o umbral da janela. Ali sem os sapatos sentia o vento passando de leve entre os dedos ressequidos. Lançou ao ar os restos de poeira de letras de caligrafias numerais tratamentos exigências nomes siglas, lançou tudo ao ar, sem desespero, o vazio intenso da falta de perspectiva. Ficou olhando os rodopios das pequenas insatisfações até a morte no asfalto. Passou a linha na agulha e escreveu com calma dolorosa sobre o peito insatisfeito, com linha vermelho morango que “ daqui nada mais se espera”. Caiu cansada sobre a linha tensa, desabada entre flagelos avermelhados, balançando na janela como bandeira vencida. Hasteada para a vizinhança na indecência do seu cansaço.

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