segunda-feira, 31 de maio de 2010

Solto nº2

Há coisas que a força não vence. Os argumentos não cabem. Nem mesmo o refúgio do corpo moldado revela. Tem coisas que precisam ser esquecidas. Admitir a perda. Deixo que o vento frio leve uma série de inquietações, alusões. Pensamentos equivocados demais. Em espaços de tempo curtos demais. Há coisas que o olhar não penetra. A retina não decifra. Verbos de ação que no fim residem inertes na língua, apenas verbos, nunca concretos.
Por um minuto pensei na utilidade do tempo, na experiência da dor e do silêncio. Tem coisas que realmente não podem ser vistas, que dirá compreendidas por um olho qualquer.

domingo, 30 de maio de 2010

Balada da noite invisível (fragmento)

As ruas estavam vazias. Apenas faróis de carros. Janelas indiscretas. E quem sabe alguns cigarros pontuavam o caminho até o metrô. Que com certeza estaria fechado. Mesmo assim continuou, não havia pressa de chegar em casa, dava voltas no quarteirão escuro, divertindo-se em achar as sombras dessa ou daquela pessoa, que ocultava atrás de um poste um roubo, uma masturbação, um beijo ou simplesmente a relação dolorosa com o vazio que a noite perpetrava. Deixava os pés tocarem carcaças de coisas, restos de canetas, hot dogs, cachorros friorentos, camisas, cigarros, poças d'água. Seu próprio corpo era uma carcaça vagando sem rumo exato. Apenas descolado da paisagem por se mover. De resto era sombra, densa e árida.
- que merda de noite... Não fico assim a tanto tempo, com vergonha de existir, alias, com essa sensação de não existir, de ser meio invisível, como o são os ratos, os trapos e as moscas. Mas eu tentei, deixar meu corpo móvel em algum lugar, mas não deu certo. Continuei deslocado, sem pertencer e agora, deslocado por deslocado eu me movo...
Do alto dos apartamentos, sons efusivos, pequenas festas, ranhuras de pele, a existência pedindo passagem. Sentiu-se um voyeur, a merda de voyeur ali naquelas ruas. E a vida onda estaria a sua vida? Em que buraco ele a enfiou? Chutou mais um ou dois pedaços de hanburguer. O metrô montou-se a sua frente, impassivelmente hermético.
- previsível... como tudo hoje. Sério, eu sabia como a coisa se daria do início ao fim. Mesmo. Sabia que ele ia ficar estático na minha frente. Sabia que não haveria tempo pra palavras. E que no fundo ninguém ligaria. Ninguém me veria. A cerveja depois foi pretexto.
Deu a volta no quarteirão, o caminho seria três vezes mais demorado, mais escuro, mais sujo e mais agradável. Ninguém estaria na rua além dele, dos gatos, sua sombra e dois ou três devassos. Era conformado. Um cara conformado com a derrota. Quando não ouviam o que tinha a dizer, mesmo tendo voz forte e alta. Ou quando ignoravam seu corpo no acúmulo do esbarro. Improvisado contato imediato sem grau. Tenso. Tenso. Sua vida era uma bosta. Aquele cara era uma bosta.
- Nem gritou. Nem pediu. Peidou. De medo. De arrogância. Tirou sarro da minha cara. Essa rua cheira melhor. Quando eu apontei o 38 na cara dele...foi seco. Sem graça. Sem riso. Espirrou na camisa. Tipo molho de tomate...e depois. O bar. O bar. E eu era menos que o tampo da mesa. Menos perceptível que ..que..sei lá... a porra da vagabunda varizenta...ela tinha mais sorrisos do que eu...eu me senti um idiota. Eu tinha acabado de apagar um mané, tinha um 38 no bolso e fiquei ali sentado numa mesa de bar de oitava categoria, tentando me enturmar com os amigos dela...
Aquela rua era longa. Sórdida. Cheia de entrelaçamentos viscerais adormecidos.
-...e eu tenho a merda de um 38 no bolso....

sábado, 29 de maio de 2010

Dias de karaokê

Não sei o que exatamente passa pela cabeça, confesso há um que de alcóol aqui dentro. Um "q" de ciúme. E talvez uma proposição. Não sei o que se passa dentro da cabeça alheia, mas pra mim é mais que corpo, mais que saliva, é ter prazer na companhia, em aguentar os arrombos de exaltação, é querer apenas estar perto. Apenas ficar ali imóvel. Apenas entender a necessidade do silêncio ou de outra companhia. Querer gostar da sua presença, do seu riso, do seu sotaque, mesmo sabendo que esteticamente eu seja comparável a um mercenário. Apenas apesar de tudo ficar ali ouvindo textos, debatendo idéias, trocando cores, estando vivo, assim no gerúndio mesmo, ficar ali trocando estéticas, períodos compostos, textos, monólogos. Descobrindo o quanto de mim existe nas entrelinhas, o quanto da letra existe nas figuras.
É engraçado, como apesar do Não, eu gosto de existir.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Entre as linhas e os pontos uma mão

Guardado na gaveta ele morre. A cor esmorece. As linhas se dissolvem. Todo o sentido da criação escoa na prateileira, amorterce a tensão, deixa flácida a intenção. Morre. Um desenho dentro da gaveta é triste. Ele sofre porque vive apenas para os olhos do seu criador. As palavras da mesma forma, que borbulham na veia de modo tão intenso que sufocam-se de amor, morrem se acometidas pela mão pesada do seu criador. Se apenas guardadas para seus olhos fazem sentido. O texto, o ponto, a linha, a gramática poética só tem sentido se toca a mão de outrem, o coração, a pele, a carne, qualquer parte, de outrem. Se recebem lábios, significações e desejos conspirados de outrem. O meu teatro sobrevive de linhas vivas, que sempre se modificam e se transformam na pele. Saem dos meus poros, as linhas vigorosas ou leves, e permeiam no olho do outrem a sua imagem semi acabada. Mas acabada é palavra inexata quando se fala ao coração. E se as linhas não puderem chegar ao átrio, ao sangue de que valem? Se aquilo que eu aspiro está sempre fora de mim. Se aquilo que eu sinto , transporto pra fora, no simples ato de não morrer. Porque a paixão dentro de mim, sufoca as vezes. Marca a pele de modo intenso. Deixa vergões. Essa paixão move meus pés, mãos, meneios de cabeça. A criação em si move minha cabeça. E o meu peito já dotado de fúria natural procura a catarse. Procura na imagem o estopim da minha amada loucura. Do meu devaneio apaixonado, e por vezes da minha dor. Essa minha aversão ao quadrado da gaveta me vale mal entendidos. Essa aversão ao fechado e ao medo ( que sim me domina em horas furtivas do dia) me compõe toda manhã. Se agora já não sinto aquele pulso acelerado é porque não manejo o lápis. Não manejo a real arma do meu peito. Sinto-me desarmada.
E se em algum momento colocares o que é meu, essa parte que é minha na sua gaveta, saibas que vai me matar. Não digo pra expor em bandeirola, mas pra simplesmente deixar viver. Dentro das suas palavras e das minhas linhas o sentimento vivo, obssessivo e opressor e lento, tem que suportar mais que a amarração que empomos, tem que suportar mais que os olhos alheios, tem quer ser mais que a saliva do criador, pra ser um pássaro fora do horizonte. Além do horizonte. No caminho da Lua.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Pequenas folhas sobre o peito

"Havia um tempo em que eu vivia um sentimento quase infantil. Havia o medo e a timidez todo um lado que você nunca viu..."
tocando no rádio. Ao lado do cinzeiro. Cheio de bitucas. Espaços de tempo esquecidos entre os ponteiros de um relógio imaginário. Havia algo dentro dele que não se movia. Houve por um segundo um espasmo. ( ontem, hoje, pela manhã?) Ela havia visto algo nele. Talvez lido nas suas entrelinhas alguma piada, algum sarcasmo, que no fundo de tudo era menos que uma insegurança, mais que um desejo. Equiparado apenas ao silêncio. Dentro da sua boca fendida por palavras inquietas, por datas e números de telefone, tentou manter a aparente calma. Mas a verdade é que ele estava calmo. O pouco que havia dela em si era bom. Não havia de perder aquela pequena conquista. Tragou mais uma vez. Ou duas. Tomou um gole de conhaque. Suspirou. Abriu a janela sem se mover da poltrona. Porque estava sentado, perto da janela, entre o cinzeiro e o rádio. Deixou a música nostálgica entrar pelos seus ouvidos, incorporar-se na pele. Ficou ali parado. Horas. Minutos. Instantes? Deixou apenas os olhos fechados. Por muitas vezes desejava ser menos que um homem, menos que a mobília que habitava, menos que o cinzeiro e as bitucas, mas sempre seria mais que isso. Pelo simples fato de sentir. Embora, como hoje, se sentisse menos. E nesse sentir, queria ser. Apenas um pedaço de asfalto. Um teco de camisa. Um resto de aguardente. Um pouco de querosene.

domingo, 23 de maio de 2010

Quando só um soco direto no queixo ajeita os dentes

Tentar é um verbo, é uma ação. É não manter-se impotente diante de um músculo que tensionado ama, odeia e retorna ao seu estado natural. E mesmo cheio de uma dor latente, poque o pobre se doa tão rápido, tão intenso (teria fogo pra dois infernos e uma chaleira no céu), e se perde na galáxia fria tão rápido. Sempre tão rápido. Sempre e nunca. Deve haver algo de terrivelmente errado nesse corpo, nessa alma, nesse peito de merda, que difamado, mesmo quando elogiado, se sente mendigo, o pior dos bêbados, o maior dos tolos. O punheiro na sala de jantar. O masturbador de crianças. Se sente impotente. Tentar é um verbo. Uma hemorragia.
Quando o sonho era tão doce, e te parecia tão próximo. Próximo. Só se for dentro dessa imaginação. A realidade jogou uma pedra na janela e disse " Hey acorda, olha direito, não é nada disso, você com certeza é um bendito zero a esquerda e ela tem mais o que fazer". Realmente deve haver alguém que mantenha aquele coração aquecido. Tentar é uma merda. Mas necessária. Tentar é o que mantém o coração difamado, ainda atento nos versos de Augusto.
Tentar é o que eu não quero mais, quero voltar a ser um zumbi. Voltar a ter corpos como quem tem galhos nas mãos. Sem destino. Sem decência. Porque depois de muito tempo, ela foi a única que fez algo se mover dentro dessa casca. E mesmo assim.... tentar é uma desculpa. Tentar é viver. E isso é muito auto ajuda. Muito auto comiserativo. E eu não preciso disso. Doi. Doi. Um bocado. A recusa é uma vergonha. A recusa me deixa doente. Mas tentar é inevitável. É cortar a mão várias vezes por dia. É mutilação de sensações. É se abrir e se deixar invadir pra alguém te deixar a deriva. Tentar é tudo que eu NÃO deveria ter feito e Só o que me cabia. Antes isso que a aparência flácida da imaginação apaixonada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Roxo e azul

Uma sensação perdida entre os dedos, como um pedaço de sonho entre os olhos ao acordar. Fica nos lábios uma palavra inaudível. Algo que não se reconhece de imediato. Ato. Estranho. Intenso. Metafórico. Erótico. Oco. Paradoxal. Roxo. Azul.
Uma alegria meio besta, de paulista. Típica nos dias de chuva. Sensual sem ser retina. Fico na espera. Percebe a linha? Eu traço retas nas curvas que imagino. Solitário. Mas eu gosto do gosto que o vento deixa na boca quando passa no meio de um respiro, suspiro. Qual era o nome? Não, sei, bombeia sangue. Bombeia sonho. Num dia triste, noutro Balzac. Sem explicações para o acaso que mora nas minhas linhas, sem tempo pra reconstituir os passos da Lua até o chão quente feito de asfalto, gotas de alcool, beijos salivados e invasões silenciosas de corpos. Para os livros sonhados cheios de páginas desenhadas, incabandas, esboçadas de olhos, bocas, quadrados de pele nua, palavras vivas e transpirantes. Ontem eu imaginei um mar de cimento pras minhas sensações, mas algo vivo sapateou dentro das minhas veias, linhas envolventes. Uma mulher pode ser muito mais que apenas uma mascara de beleza, dura e esmaecida. Na linha que te torna bela existe uma linha paralela que me torna viva. E no processo de troca de desejos ocultos, vive um prazer calado que não fica fisíco nem explícito, mas ainda assim quente. Roxo. Vermelho.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Se for embora e resolver me deixar a deriva, deixe a porta encostada. Não a feche totalmente, não custa nada permitir uma frincha de luz na escuridão da sala. Não se preocupe em apagar as marcas das paredes, seus vestígios do teclado, do telefone ou da mesa da cozinha. Deixe algo que me lembre que você existe. Não me deixe assim sem nada, avulsa, aberta na noite. Não permita que eu me prostitua em conversas fiadas em noites sem fim, nem que eu me dilua em copos e bocas e roupas e números de telefone, que bem da verdade, não me interessam. Esse sentimento bandido que me afasta do real objetivo da letra, da minha existência enquanto viciada. A necessidade de te sentir pra viver. De te respirar pra produzir, me subdividir...
...Aonde raios foi parar meu tesão? E com ele onde foi meu alívio? No momento não há paixão calcinando meus ossos.

Dois copos e um celular tocando

Cobranças de todos os lados. Sentimentais. Viscerais. De horário. De postura. "Fulano está chateado com você". " Beltrano ficou puto porque você sumiu"."Você prometeu tal coisa e não fez". De certo que não sou um anjo e tenho parcela de culpa, mas a minha natureza não permite essa invasão do meu tempo. Esse querer-me o tempo todo. Não quero ser de ninguém dessa forma nem pertencer à rotinas. Sejam elas de trabalho, de sexo, de amigos. Quero a minha ilha, o meu pequeno pedaço de asfalto, de cheiro de chuva pela manhã. Um pouco de cerveja pra amenizar a solidão. E só. Sem classe, mistério ou desculpas. Se não estiver apaixonada pelo corpo, pela folha de papel, pela idéia não adianta. Por obrigação enrolo. Não faço. Faço feio. O profissionalismo vai ladeira abaixo, porque o meu é motivado por paixão. É preciso queimar, eu preciso sentir correr na veia. Se não corre, estatela e morre na parede. De cara. E ultimamente aquilo que tem tomado grande parte do meu tempo são coisas amenas, sem desejo. Apenas uma ou duas coisas me fazem dormir tarde pra pensar naquilo, me fazem não dormir. Algumas pessoas mexem com meu corpo mas não com meu coração. E outra com o coração, mas ai, é outra história. É outra mesa de bar, outro conto não linear.
Tenho vontade de satisfazer a todos, dar o que tanto querem de mim, pra que simplesmente parem de me torrar. Pra que fiquem felizes e me deixem no meu canto. Mas pra variar sou sincera demais. Me desgasto demais com tentativas de concertar manhãs alheias e deixo as minhas empoeiradas. Pra variar existe um paradoxo entre ficar só e desnudar o mundo pra construi-lo diferente.