sexta-feira, 29 de maio de 2009

Quando o mês de maio espirra e expira

O mês estertora seus dias finais. O frio consome as horas numa epidemia de tristeza mal adensada. As listas permanecem cheias de afazeres coladas as paredes, que nada mais dizem a respeito desse vazio. Não reclamam a cor como companhia e descrentes expiram em rebocos assoviados pelo chão. Pedaços de tempo esmurrado corroendo o chão e qualquer outro espaço. Tudo fica por demais pessoal. Tudo fica por demais casual. Efeito redobrado de ausência. Fiz todas as coisas que poderia e não poderia. Deixei que uma rodovia fosse construída entre eu e o resto do mundo. Larga. Vasta. A vista não alcança o fim. Deixei que a lua respirasse da minha aspereza. Deixei a destreza aos cães,que melhor sabem usá-la. Tento de todas as formas domar minha pistola que dispara a esmo mesmo cobrindo-se de cansaço e ferrugem. Mesmo não tendo mais alvo, mesmo que esse alvo conclame a distância intransponível de um silêncio como salvação. Eu quero pegar o trem para nowhere. Me misturar com as partículas de poeira, transformar-me em pedaço de sujeira e jorrar pelos poros das estruturas. Puro carbono impregnando a pele dos prédios. Todo dia é exatamente o mesmo, já diz a música que eu não canso de ouvir. Criam feridas os ouvidos pelas mesmas coisas sempre reeditadas em novos corpos e novas composições. Existe algo que não consigo ver, um caminho perdido entre as gavetas do cérebro, entre as memórias vazias e entre os desejos descarnados.
 
Every Day is exactly the same

Todo dia eu escrevo a minha sonata para um amor incorpóreo.
Todo dia me ignoro e redobro a guarda pra um descuido ilusório.
Todo dia espero que e o escarro molde uma nova boca
Todo dia espero que o tempo me esqueça e se mova
Mas todo dia é exatamente o mesmo

Me torno invisível pra quem eu queria dar olhos
Me torno inesquecível pra quem já não sonha minha ausência
Me vejo desmembrada entre montes de marionetes
Palavras bocas beijos alavancas estopas
Para um corpo que já não se sabe, nem se entende

Todo dia me vejo dividida em duas
E essas duas me matam me carcomem
A culpa católica e o sarcasmo individualista
Me vejo arrombada por sentimentos que não tem peso
Apenas percevejos escavando meu coração
Mas todo dia é exatamente o mesmo

E a dor e a afasia se repetem por fios inteiros
Todo dia sonho com um pronome
E todo dia sonho um pouco menos
Menos denso
E todo dia eu me sinto mais vazia,
Mais morta por dentro.

Todo dia escrevo minha sonata de amor incorpóreo
Todo dia me rasgo e me lanço no espaço
Todo dia eu te chamo aos meus braços e revogo
Na estupidez do desatino o pedido e a saudade
Todo dia escrevo um poema que nada tem de certo

É sempre o mesmo dia, o mesmo inseto
Sobre a pistola, alimentado pelo peso das memórias.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sobre um corpo displicente

Ela é porto. Minha doca escura e profunda cheia de teias e pústulas. É minha redoma, minha passagem secreta. A dor que acalenta enquanto releva. É a imagem grotesca de um sorriso, o pérfido desejo desde o início. A maçã provocadora dentro do caixão. Catolicismos a parte, ela é apenas uma parte do resultado. Um mero acaso. Uma disputa entre as partes. Entre a cabeça e o ventre. A região mais suja da mente. É a marca que reduz o rosto ao degredo. A linha que evidencia as digitais nos dedos. Uma mera abstração filosófica. Uma palavra escrita diversas vezes numa tela anamórfica. Um momento expressionista pela manhã, um grito, um urro, um desespero impreciso. É uma infeliz de uma palavra filha da puta que gruda na carne da goela. É um xingamento. Uma metáfora, uma garrafa plástica. É uma sensação de deslize prazeroso. Um orgasmo seguido de desgosto. Uma referência estética apenas por prazer. Uma violência gratuita por tédio ou sei lá porque. Uma cascata de mentiras, um engradado de políticas disfarçadas e burras, tendências suicidas no meio da noite. Amores brutos sem chance de lapidação. Asfixia numa banheira de retinas por falta de tempo. Uma memória gasta pelo prazer do martírio e da repetição. Um medo do tamanho de um transformer japonês entrando em conflito existencial. Um poema concretista vazando pelas beiradas da boca. Ela é definitivamente a pior parte. É a realidade virada do avesso, momento bêbado de falar sem parar para respirar em que todas as idéias se chocam dentro da cabeça e na ponta da língua se desequilibram é reforço e desgosto é repetição é diversão é desleixo, porra!
É.......
Cansaço.............................................................................................................................................................................................................A arte é a forma mais pura de transição, é a maneira mais clara de explodir um molotov dentro do coração. É um caso de amor cheio de idas e vindas. É um caso sem solução. É desgaste, pesadelo. Paixão.

sábado, 23 de maio de 2009

Quanto mais perguntas ao acaso, mais respostas que não tem sentido. Vejo o meu passado ainda sorrindo de modo doce, mas não o sinto. Ás vezes machuco sem ter a intenção, noutras me jogo sobre arvoredos de pedras e estacas. Tenho olhos não sei pra que. A inutilidade dos meus sentimentos fica patente, quem vê minhas linhas sente-se doente. Mas não há olhos, nem bocas nem ombros que possam me conter. Agora mais que nunca sou apenas eu e os meus personagens. Daqui pro resto do caminho até a Lua sem RG ou CPF. Ao acaso com todas as paixões. Esperanças de convívio pacífico ao fundo do mar com todas elas. Eis um dia que as personagens comemoram a derrocada do escritor.
Paleta de cores

Aumento a síntese das dores. Despejo sobre as coisas formas que não existem. Carrego nas tintas do drama. E mesmo sabendo que isso desemboca num abismo de dentes podres, acumulo dentro de mim recortes de jornais que nunca serão escritos. Noticias que nunca serão salivadas. Carrego dentro de mim a esperança do êxito em todas as suas formas e conteúdos. Mas a cada cor acrescentada a essa mistura mais cinza se torna o amanhecer. E mais distante se tornam as ruas, mais largas as distâncias. Quanto mais cores e gritos e sussurros acrescento a essa infinidade de mundos mais distante se torna o chão, a cama, a chaleira o pijama.

Aumento de forma exagerada os parágrafos da canção, assimilo as estrofes doloridas e esqueço que delas também brotam palavras agridoces, releio meus internos diários na busca de um processo que não mais me pertence. O vitimismo barato e a banalidade das linhas fáceis torna toda a redoma aparente. Mas o que se torna visto? Nem mesmo o rosto consegue esconder o brilho que cintila de um coração em chamas, ardendo de inquietação e amor excessivo. Nada de rodeios. Apenas desejos repreendidos. Um leve sabor de derrota entre os dentes apodrecidos. Uma saída fácil para toda a sensação de estranheza, escrever como se o fim do mundo estivesse ali na esquina tomando um café, aguardando um sinal. Uma mão imaginária que vai destruir todas as portas de Griffith, todas as pontes de Eisenstein.

Aumento as doses de risos frouxos acumulados num mundo sem palavras. De bocas que não tem a finalidade do escarro nem do beijo, apenas projetoras de uma imagem que contamina tudo com sua velhice. Apenas um móvel da sala de estar, apenas uma nuvem que passa sem se tornar alvo da imaginação. A boca minha desenha tudo com linhas de fumo azedo, deixa que meu rosto fique deturpado e permite que dentro de mim as duas coisas se excitem. Dentro de mim convivem duas personagens que nunca se distanciam e nunca se agradam. A crueldade descabida e brutal e a sensibilidade espontânea. Duas coisas distintas que nunca se tocam. E a brutalidade sempre ganha no grito a transparência do espelho. Sempre recende no hálito da manhã permeada de um horizonte turvo. Na desmedida tristeza do nada fazer além de continuar a representar um papel que não mais cabe a todas as partes. Mas que é predominante nas retinas alheias, que não mais pode ser descolado. Já não há nada de novo desse lado do espaço, o que era pra ser amor, tornou-se apenas um espasmo de raiva assimilada, o que era pra ser sincero, tornou-se relutante e torpe. De todas as linhas e suportes emerge uma amargura desgraçada, uma choradeira mal acalentada. Um espírito que não se doma sem espinhos. Por toda as correntes eletricas que percorrem meus circuitos fica um nome que nunca mais se projetará nos meus lábios vazios. Fica um esquecimento repleto de desculpas e culpas cristãs. As melhores coisas ficaram na casa do talvez, e aceleradas se jogaram de braços abertos no nunca mais. Suicídio de sensações primais. Estofado arrancado a garfadas pelo medo e pela insegurança.
Era uma vez alguém que não queria deixar de ser criança...
E nada entre nós será resolvido, apenas pedaços de sangue coagulado dentro dos olhos, nada me revolta mais que a sua presença, nada me tira mais o animo que suas palavras. Mas é inevitável que existamos no mesmo espaço, geneticamente ligados. Mais e sempre mais sua presença me faz mal. Tudo em você me dá vontade de quebrar as paredes e gritar até a rouquidão me carregar nos braços. Era um dia ameno, comum, mas você precisa retirar dele a cor.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Parte VI

Papai, papai, papai eu tenho uma chave de roda. Eu tenho tijolinhos de raiva debaixo do travesseiro. E eu destruo tudo que eu toco, foi isso que o Doutor Bernardo disse do outro lado da porta, eu consegui ouvir. Papai você aí sentado do lado da mesa bonita e eu aqui escutando atrás, na surdina. Eu tenho uma chave de roda dentro da cabeça e tijolinhos de raiva dentro da retina. Você nem veio falar comigo, problemas de pagamento, saí caro? Me deixar aqui? Como pode? Se não tem nada aqui? Eu me ocupo papai, obrigado pela preocupação. E eu tenho tijolinhos de raiva. Tijolinhos de raiva caminhando dentro de uma carrinho de mão, empilhadinhos pra quando você chegar. Me levam pro banheiro, passam shampoo no cabelo, até base na marca roxa que eu tinha no braço. Camisa branca de seda sem fios nem desenhos, passam até lixa na unha e dizem que belezura! Fazem até rima no corredor, que amor....eu tenho tijolinhos, me levam pelos lados. Escoltada por soldados interesseiros. Me sentam na frente do doutor Bernardo e bem ao seu lado. Olho no olho. Sorrio. Todos felizes e adocicados. Tijolinhos de raiva empilhados. Boca se mexendo eu não ouço. Vermelho. Vermelho. Vermelho. Contra plongé do seu rosto mascarado. Plongé do meu machucado. Tijolinhos de raiva. Boca mexendo. Tijolinhos de raiva empilhados tremendo. Bocas mexendo e falando.
- você não tem nada pra dizer pro seu pai?
Doutor Bernardo nunca sorriu tão azedo, parecia ter que levantar o mindinho pra rir.
- eu? Claro.. Tem um texto muito bonito dentro da minha cabeça chamado canção pra Maria, posso recitar?
Doutor Bernardo me pareceu um tanto receoso, mas o meu sorriso foi tão débil que ele achou inofensivo e quase riu da sua idiotice, afinal eu disse coisas tão bonitas em nossa última sessão.
- claro, pode começar
Olhinhos de papai vidrados, filhinha recuperada, que emoção, quase podia sentir essa frase pairando sobre sua cabeça. Tijolinhos empilhados tremendo.
- Maria, Maria...Deixo no seu corpo o rastro da minha porra. (Tijolinhos caindo. Caindo.) Ponho teus dedos na minha buceta que pulsa, deixo minha boca descansar no teu pescoço enquanto sua respiração reage. Deixo o meu quadril dar um ritmo, meus seios esfregados....
- tirem essa filha da puta daqui! Rápido!
Muitas vozes reclamando juntas, papai, Doutor Bernardo. Me arrancaram tão rápido da sala e o verso era tão bonito, nem me deixaram terminar... Tijolinhos de raiva soterrando, soterrando uma casinha. Será que papai ficou chocado?
Parte V

Era tão errado? Será que era tão errado? Eu tinha todos os pensamentos ardendo naqueles dias. Eu tinha todas as janelas abertas e numa gaiola do lado de casa ficava a puta baranga da ignorância. Eu nem fazia caso dela e achava que ela também não de mim. Mas ela pegou as barras da gaiola e isolou o ar a minha volta. Fez balas de iogurte com os meus neurônios e azulejos mijados e cheios de verme me servem de casa. Ninguém me vê. Sou invisível. Posso atravessar paredes aqui nesse silêncio todo. Posso imaginar portas, forcas, focas. Posso ter tudo aqui na palma imunda da minha mão. O Doutor Bernardo já vai chegar, ele adora fazer perguntas e fumar aquele cachimbo fedido que eu odeio. Deve ser crack. Deve ser crack o que aquele filho da puta fuma. Pra fazer tantas perguntas absurdas e falar de um jeito tão ridiculo como se eu usasse fraudas ainda. Eu até uso mas não é por opção não me deixam mais usar roupa normal. Tentei tecer um casaco com as minhas unhas e usei vários pedacinhos da sola do pé. Mas não é demencia nem senilidade. É só um jeito de passar o tempo aqui nesse lugar que não tem tempo onde as pessoas que não querem perder tempo jogam pessoas com tempo de sobra. Dá pra entender? Não? Eu também não, mas achei bonito. Criativo. Quem sabe eu anote, se sobrar algum pedaço de papel higiênico, se sobrar, porque eles dão contado, com medo de eu engolir tudo e tentar me sufocar. Tanto que toda vez que eu vou ao banheiro eles só faltam abrir minha bunda pra ver se não guardei nenhum pedaço pra depois. Fica difícil, não tem lugar pra escrever, não tem nada pra fazer, eu escrevo com as unhas nas solas dos pés nos pedaços da barriga que não estão muito sujos. Ai toda semana eu apago na água quentinha pra escrever tudo de novo. Mas o que é importante eu guardo aqui ó. Na cabeça. Bem aqui. Eu guardo tudo aqui, as cartas que eu escrevo pra ela, os dias que não tinham barras no meio, os horizontes, as camisetas laranjas. A raiva. A raiva a raiva eu deixo aqui do lado de fora. Da boca pra fora eu deixo aqui. Pra pregar pregos na boca. Eu deixo todo o lirismo amarfanhado sair feito peido. Deixo tudo isso pro doutor Bernardo analisar e falo e falo e falo sem parar coisas bonitas que vem na minha cabeça puxo lá das gavetas do fundo todas as coisas que ele quer ouvir.
Parte IV

Nojo de mim, dos meus desejos sujos. Das minhas cartas obscenas. Papai me disse que é errado, por isso ele jogou meus dentes pro alto. Por isso ele tingiu o amanhecer de vermelho usando um garfo. Era pro meu bem, era pra entender que meus desejos são sujos. Que é errado. Papai é certo. Ele é católico, gordo, velho e usa camisa listrada de manga longa. Meus pensamentos são sujos, eu sou um tipo estranho. Disseram que eu era um tipo estranho desde que eu era pequena, faziam graça comigo, porque meu pai ia me levar na escola. Todo dia. Eu era um tipo estranho e tive pensamentos sujos. Escrevi cartas pesadas e alisadas. Fiquei na porta da sala escrevendo bilhetes pra ela. Passava de mão em mão e ninguém lia. Papai abriu minhas gavetas e achou. Estrelas contadas do avesso, Polock fazendo graça no meio da cozinha. Papai era Polock eu era o balde de tinta. Papai me jogou, fez happening.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Parte III

Às vezes fico excitada com dedos na buceta, camisa apertada entre as pernas, querendo fazer raiva, dar raiva. Dar quina de mesa na cabeça do desejo. Porque as vezes fico no cio e cachorro no cio se enrosca em perna de mesa, mas eu não tenho mesa, e me enrosco na perna dos soldadinhos de chumbo ou nos dedos da minha mão. Dedos da mão. Densos pedaços de pele saindo de mim. Pedaços vermelhos escorridos nas pontas dos dedos. Listras vermelhas meio densas escorrendo coxas adentro. Amparo sua queda e reviro sua cor no piso do banheiro, piso amarelo cheio de marcas de urina, fios de cabelo embolorados e vermes d’água. Alguns ainda transparentes outros já pretos e gordos. Sento a bunda no piso amarelo e remexo nos fios vermelhos que saem das minhas entranhas, dá pra fazer colcha? Aranha saindo da buceta vermelha, cuspindo fios de seda fina. Dá pra fazer vestido. É bonita a cor. Mas eu não tenho agulha, só unha, e com a unha não dá eu já tentei, no mês passado eu já tentei. Mas não dá pra fazer um casaquinho e eu tenho tanto frio. Faz tanto frio aqui. Passos. Passos no piso frio. Demorei de novo. Lá vem elas, elas vem me tirar da água quentinha e já fazem cara feia. Demorei. Sujei o piso amarelo mijado. Ficou no fim alaranjado. Cromatismo básico. No mês que vem eu tento de novo, até tecer um casaco.
Parte II

Se eu estava bem não sentia. Nem bem sabia a diferença entre estar bem e o normal. Me acham no vermelho. Mas eu sei que nada além do dente estourado no azulejo é vermelho. Dentro de camisetas brancas percorrendo corredores cheios de cola de dentadura, passeiam os homens de chumbinho, soldadinhos brancos de prancheta. Estetoscópio. É o nome daquele negócio, uma traça muito sabida comeu a palavra inteira e arrotou todas as letras pelas paredes e pelo corroído do colchão. Pendências, tenho várias com os potes de balas coloridas que depositam na minha água todo insano dia. Potes de balas coloridas. Que eu cuspo dentro do olho do boneco de chumbinho branco. Ele cospe de volta e enfia pela minha goela afora, porque quase rasga o couro gasto do corpo, de raiva. De raiva. De raiva. Todo mundo tem raiva. Do cachorro. Do gato. Do professor. Da vagabunda. Da esposa. Do desconhecido. Do transporte público. Do suéter laranja. Da comida do restaurante da esquina. Todo mundo tem raiva. Todo mundo tem raiva. Eu sei eu sei eu sei. Eu tenho um pouco de raiva, mas eu vomito, eu vomito todo dia a minha raiva e deixo aquele caldo endurecer no chão pra fazer tijolos, tijolos pra minha casa casa cheia de raiva, feita de raiva, onde ninguém pode entrar, ninguém mais pode tingir o amanhecer de vermelho.
Ensaio para uma loucura previamente imaginada
- o paradeiro de Sophia -
Parte I

Dizem que a raiva não fica bem, mas ela tem bom caimento no meu corpo. Quando o sangue escorre pelo rosto e nada além das costelas estralam e acima da cabeça nada além de uma dor surda e pés que visam a sua cabeça como tapete. É, dizem que a raiva não me caí bem, mas quem diz isso nunca teve motivos pra endurecer.
Eu gostaria de esquecer, mas todo dia pela manhã, sinto todas as dores do primeiro instante, como se ainda sentisse aquele corpo sobre o meu. Nocaute. Procurei grupos de apoio, mas só me revesti de uma agonia maior ainda, por não saber único o meu caso. Por saber que tantas e tantas pessoas foram alvos de uma ignorância tão viva. Nocaute. Toco meu braço e ainda sinto o viscoso do sangue que não mais escorre, a mão sobre a mandíbula sente o estralo que não mais se ouve, além das manhãs de frio. Nocaute. No lugar do rasgo um desenho, imagem vermelha pra recordar do feito. Do grande feito de saída da gaiola.
Sinto todo o peso dessa dor acumulada no coração, como cascas e mais cascas uma após a outra cada vez mais densa mais encrespada mais dura mais ácida. Sinto tudo isso como quem sente o ferro quente na gengiva, o fio da gilete passando na sola dos pés. Mas não, não é a senilidade, nem a demência. É a ignorância que estava na gaiola e bateu asas. Bateu balas. Bateu duro e nocaute. Direto no queixo. Na quina da cozinha. Dente voando sem asas no azulejo sujo. Esporro sanguíneo tingindo o entardecer. Mão de ferro corroendo de ferrugem a cartilagem do corpo. Dor aguda ensurdecida ainda na memória antes do apagão. Mesa de hospital contaminada de sinto muito. Cadeira de doutor contaminada de escuro. Sala escura sem voz. Dizem que a raiva não me caí bem, que fica tenso sem riso o rosto, que sem apetite de alegria fica frio o rosto, mas quem me diz isso, não tem na boca o gosto que eu relembro toda manhã.

sábado, 9 de maio de 2009


Não, não criei nada novo. Nenhuma forma ultramoderna para redigir mentiras. Não inventei o papel, tampouco a caneta. Mas criei uma série de personagens pra mim. Deitei fora o tempo, a emoção e a tentativa, deixei ficar o medo, o ranço e a covardia desmedida, misturada com certa doçura, pra não criar úlcera. É muito ácido contido nesse barril. Às vezes desmancha as paredes e corrói algumas veias e nessa hora eu sinto uma dor filha da mãe. Mas isso nem é digno de colocar num livro. Essa tristeza lírica terminou no século XIX, mas é sempre bom revisitar alguns movimentos, nada se cria. Eu não me crio, eu me desalinho, me perverto numa nova maldição. Eu e meu eu sozinho, mordicando travesseiros, trepados em espinhas dorsais vendo o horizonte se dissipar. Aqui da minha, nossa, gaiola o horizonte sempre tem cortes, código de barras. Aqui da minha, nossa gaiola.
Sinto solidão acumulada de muitas vidas que não vivi, todas as personagens minhas fizeram coisas que eu não vi, sonhei apenas e acordei com dores. Pistola sangrada virada pra minha testa. Suicídio de nervos no calor da manhã. Revirei uma caixa de sapatos na procura de um embrulho de palavras originais, encontrei apenas reticências e pontos finais. Encontrei a poeira que havia retirado das retinas, coloquei de volta, vi os organismos assexuados do marasmo construindo micro cidades sobre as córneas minhas. Floreio, Folheio minhas cordas vocais em busca de uma canção, já revirei a memória, mas pra cantar aqui na gaiola, lá não encontrei nada que já não estivesse apodrecido e meio flácido ou meio morto.

Aqui

da distância dessa gaiola cinza,dá pra ver um bocado de peças de dominós que atendem também pelo nome de prédios, mas o princípio é o mesmo, empurre um e os outros caem atrás, são como pessoas também. E do alto desse domino que é prédio e é gente, alguém pulou e se desfigurou num asfalto. E se transfigurou em mancha em noticia e alguma lágrima? Essa última eu já não sei, é imagem minúscula, não dá pra aumentar o zoom. Aqui da minha gaiola não tem como aumentar o zoom. Mas imagino que tenha sido uma mancha difícil de lavar. Pessoas são sempre difíceis de sair da memória das coisas, impregnam do armário a retina.
12 minutos

Sentada em frente ao cinema. A sessão começava em vinte minutos, tempo de sobra pra tomar um ar. Matar o tempo e um pouco do tédio. Pegou uma Soda e sentou no boulevard em frente ao cinema. Pessoas passando em sua frente, as mais diferentes possíveis. Garotas do Morumbi, punks, travestis, prostitutas a paisana, vendedores, drogados, cinéfilos e o rapaz bonito de camisa xadrez. Seu olhar parou nele. Parecia avoado. Parado em frente ao cinema do outro lado da rua olhando pro dedo. Será que ele ia no cinema também? Que filme? Pela cara...um francês? pode ser, tem cara. Ficou algum tempo reparando no rapaz. Balançou a lata de Soda estava quase no final, olhou para o relógio, como o tempo passou rápido. Faltavam dez minutos para o filme começar. Levantou-se, deu uma última golada e olhou mais uma vez para o rapaz. Ele ia entrar no cinema mesmo. Estava já procurando a carteira. Sorriu. Jogou a lata fora. Arrumou o cabelo. Entrou no cinema, enquanto do outro lado da rua ele procurava a carteira. Decidiu sentar um pouco no fundo e num lugar com cadeiras livres ao lado. Se ele fosse ver aquele filme chegaria atrasado e talvez sentasse do lado dela.

Ardeu o corte na ponta do dedo. Arranhado de gato, linha gasta avermelhando. Pele esbranquiçada eriçada na beira do corte. Coisa cotidiana. Ficou parado admirando a pele sua que ficava eriçada e nem reparou no garoto que enfiava sutilmente a mão na sua mochila e lhe arrancava a carteira. Mar de gente em volta, todos cegos. Quem sabem um ruminar aqui e ali, Olha, mas nada efetivo. Olhou no relógio, na frente do cinema e a sessão já ia começar. Deixou o ardido do dedo momentaneamente de lado. Apalpou na mochila a carteira e sentiu um vácuo. Olhou em volta em todos os bolsos, sentiu-se palhaço.Todos a sua volta olhavam como se não soubessem o que ocorreu.

Andando calmamente subindo a rua, cumprimentava um ou outro. Dobrou numa esquina e sentou-se em frente a uma casa. Deixou cair sobre a calçada um punhado de carteiras. De couro, grandes, pequenas, recheadas, magras. Fotos, RGs, CPFs, toda a espécie de Doc. que não interessava. De que adiantava saber que Adriano Cintra tinha 23 anos? Pra ele? Nada. O que importava é que Adriano era um puta de um pé rapado, tinha só dez reais na carteira. Ficou olhando praquelas fotos espalhadas na calçada. Algumas pessoas passavam, mas eram cegas, todas cegas. Ele riu. Colocou o dinheiro no bolso. Olhou mais um pouco as fotos, o executivo gordo, a velha rabugenta, olha só essa cara! Deve ter um punhado de plásticas e pra rir deve levantar a perna! E esse, que cara de coitado! Deve ser o dos dez reais. Era o cara da frente do cinema, deve ser estudante, 23 anos, deve ser. Quinta? é o dia mais barato do cinema da cidade. Deve ser estudante mesmo!

Adriano em frente ao cinema desesperado, acabara de perder todos os seus documentos. Não tinha dinheiro para ir pra faculdade nem pra casa. E não poderia ver o filme Argentino que tanto queria. Todos em volta olhavam pra ele. Mas não adiantava. Eram todos cegos. Desceu a rua acabrunhado, agora tinha burocracias pra resolver e um longo caminho de volta pra casa a pé, ás cinco da tarde.

Vez ou outra ela colocou a mão na cadeira vaga ao lado, na esperança de encontrar uma outra a sua espera. Mas após tatear o vazio houve a suspensão da descrença e ela já não lembrava do rapaz bonito da camisa xadrez. Era um ótimo filme francês.

Deixou as carteiras numa caçamba, apenas uma foto levou no bolso, a de uma garota bonita que estava na carteira do pé rapado do cinema. De resto ao lixo com as identidades. De que vale um RG?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Momentos negros derretendo pela calçada,sorvete de passas deixando pedaços cadavéricos pela calçada. Era um dia quente e talvez fosse um dia bom. Mas pra ele se resumia a um dia infeliz no calendário, não conseguia ver além das linhas dos seus dedos e apenas fios entupiam sua boca e ouvidos. Aranhas punham ovos nos seus sonhos e estes eclodiam na madrugada como gritos de pânico e de amor oprimido. Vinham-lhe imagens nas retinas que causavam dor, palavras que se dispunham a destrincha-lo. Metiam-no em ganchos, cada pedaço vendido barato. Era um dia simples, mas pra ele era o fim do mundo. E de fins de mundo em fins de mundo envelhecia sem completar um único projeto. Deixando tudo partido ao meio.
Escrevo para ninguém. Para sombras que passam por trás das ruas. Por dentro da Lua e por todos os espaços inanimados. Para pequenos roedores que crêem na vida como esgoto, para apaixonados que decepam os mamilos de suas amantes, para aqueles loucos que passam giletes nas solas dos pés. Pra Ninguém. Pra esses ninguéns que tem tempo apenas para suas loucuras cotidianas, para essas trevas que andam pela manhã botando fogo nas retinas. Para as incertezas da pistola que pulsa, para o tiro disparado à esmo. Para todas as loucuras do meu dia, fantasia. Pra você e pra mim. Para todos os pronomes que se lançam na insônia na busca de um fim. Para esse amontoado de palavras escrotas que não têm pra onde ir.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Molotov com defeito, dá pra trocar?

Ás vezes o sarcasmo não resolve todas as incompreensões do mundo,nem todas as disputas. Ás vezes o sorriso amarelo em excesso causa a queda dos dentes, até a mente apodrece quando jogada no lixo. Não dá pra rir de tudo. E nem sempre o silêncio acoberta. Descobertas simples feitas cotidianamente, mas insisto em deitar fora minhas entranhas em jogos de azar. Tropeço sobre crânios e pistolas defuntas, idéias e amores mortos que a muito se regeneraram em outras metáforas. Revolvo numa espécie de sadismo os poemas que foram meus outrora e encontro além das rimas de gosto sofrível as risadas que devem ter causado e que até agora ignorava. Mas que se dane, os momentos de palermice são assim mesmo, no melhor estilo apaixonado década de 20. Perseguições de Almodóvar cheias de rios e olhos enevoados. E olhando pra trás agora meu sentimental não vale o espaço que ocupa no peito. É conversa de bêbado esquecida pela manhã, logo após o café forte sem açúcar. É engraçado isso, hoje você diz “putz não posso viver sem você e blá blá blá” amanhã “ quem era aquela fulana mesmo?” E todos aqueles planos lindos arquitetados como pinturas fauvistas se desmoronam em Mabuses, Galigaris e Nosferatus. E começa tudo de novo, como no “Blood”. São ações circulares que desembocam sempre umas nas outras, só mudando os personagens. A gangrena de palavras, os amuos,as conversas repetidas que se retiradas de contexto são taxadas de egocentrismo puro. Assim caminha esse sentimental monstruoso. Cheio não de grades paixões, mas talvez de grandes enganos. Pessimismo básico pra insuflar no peito a discórdia e o terrorismo. De vez em quando me dá uma grande vontade de jogar molotovs a esmo. Nas faculdades, nas livrarias, nos parques públicas, dentro das minhas gavetas, das suas meias, sei lá, nos lugares improváveis. Joguei até um dentro do meu peito, pra ver se tinha sangue mesmo. Ou se era só massa de tomate. Mas olha só, saíram palavras, uma caralhada de palavras espessas, densas escorrendo ou correndo pelo rombo afora.
E não foi tão lírico quanto se possa imaginar, ver o estofo da minha alma assim largado pelo chão da sala, e saber que não era sangue, era palavra, cumulo da esquisitice,saber que desse vício não tem fuga, que desse karma vou me apoderar, engolir e cuspir num corte na boca asqueroso e largo. Que não há salvação, que longe disso minha sina fica incompleta, mas dentro dela minha vida fica estéril. Dentro dessa dualidade esforço os ossos para ver um pouco além, mas nem dádiva de escritor, nem talento pra panfleto, fica tudo lá no meio. Jogado a esmo. Molotov que não estoura.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Zapatistas, sapateiros, revolucionários, encrenqueiros e um calendário com dois dias a menos

Em vez de fazer as coisas necessárias, perde tempo nas avarezas do sentido, nas pequenas mazelas da coluna e reclama por dias e dias a fio a falta de sustento. Refaz o caminho do avesso, sempre pretexto para não sair de casa nos dias de sol. Meio incapaz e estéril de reproduzir o som energúmeno da sua voz. Mas como pode uma voz ter tal alcunha? Simples, basta que dentro dessa voz aja um recheio de palavras burras.
A boca capacitada para a estúpida ação de falar e rechear o mundo como um grande peru de natal. Coisas inúteis para dar gosto, mas na verdade o peru já está morto e não se dá nem tira nada dos mortos. Nem deveria prestar atenção a essas esquisitices que saem das pontas dos dedos, nada disso deveria ser interessante, além das obrigações que se estendem por meses sem serem cumpridas. Ah nada como a doce irresponsabilidade de não depender de ninguém,de não ter nada a perder. De não ter sustento, nem prédio,nem remédio, nem critério... Nem mesmo o cinismo salva nesse momento glorioso de cuspidas na cara e nos reflexos do espelho. Que nenhuma face fique impune! Cacem a cabeça do rei pela floresta, desse arquiteto de bestialidades! Cacem a filha da puta da memória e só me voltem com ela rechaçada! Nada vale essa voz que grita ardida e queima a garganta quando sai sem direito pela goela afora. Nada valem essas palavras que se reproduzem como coelhos doentes pelas estradas, alastrando pálpebras cerradas e beiços amuados. Cacem a infeliz da tristeza e tragam seu corpo cozido com salsa! Voltemos por um momento no tempo e absorvamos do espírito medieval e vamos rechaçar tudo que não for compreensível a esses nossos cerebrozinhos de geléia. Seria realmente bem fácil se tudo fosse assim,Terminator 2, localizar e destruir. Ou como numa monarquia, mande caçar e assar e servir aos convidados e tudo bem. Mas a memória e o bendito do senso de responsabilidade corroem até os maiores cretinos em algum momento do dia ou da vida, sabe-se lá quando essas coisas acontecem. Não há um lembrete no calendário “ Hei, lembre-se hoje é o dia da sua crise existencial, boa sorte!”. Se houvesse algo assim, o calendário já teria tomado ares de recepcionista de psiquiatra.

E as coisas necessárias só pra saber, se tornaram tão chatas e pretensiosas que é preferível a irrealidade das caçadas por sentimentos dentro de uma esfera de alucinações. Rechear o peru defunto com um molotov e esperar pra rir da cara dos convidados que não sabem o que fazer com aqueles pedaços de defunto espalhados pelo teto. Viva La revolucion!
Fragmentos de um discurso indireto

Tudo que toco não é meu de fato. Nem meus braços, nem meus cabelos desgrenhados. Todos os fios são alugados e serão desalojados de mim uma hora. Toda palavra que me sonha, cada corpo que eu sonho, não pertencem a mim de fato, nem em pensamentos nem em batimentos. Todas as minhas partes são de segunda sensação. E nem mesmo as coisas originais dentro da minha cabeça o são.

Pombas, se tivesse que dizer tudo que quero se resumiria a carta a um silêncio. Porque todas as palavras seriam mentiras e tentativas de reaver coisas não minhas. Apenas pastas temporárias que não podem mais ser abertas. Apenas arquivos de leitura para noites solitárias. Se tivesse que parar em frente a você agora, espelho, pessoa, relíquia, cadeira, pronome, nada poderia balbuciar de novo, todos os guinchos já foram perpretados no espaço. Todas as tolices já viraram manual em fascículos dominicais. Tento enrolar minhas emoções num novelo, mas meu gato sempre desarranja tudo como num grande desarranjo intestinal, e quando vejo, está tudo verborragicamente sangrado. Ou não, a palavra se azeda na boca e consome-se na carne afásica dos lábios. Rumina dentro de si todo o sentido e todo o lamento que apenas os olhares desviados prometem. A realidade não existente de um coração é singela como um copo que se estilhaça. Basta apenas um dedo, um impulso, mas ai já é dizer que tudo se resume a fragilidade, quando na verdade o problema reside na persistência. Na dureza dos passos distantes. Se tivesse realmente que dizer o que quero, seria uma frase sem critério. E as vértebras se envergariam num viaduto de suposições e assuntos não terminados. Em ausências corruptivas.
Quando o chuveiro desencadeia um curto circuito

Barril de pólvora prestes a explodir, coração eclodindo cotidianamente numa pústula nova com acento grave na raiva. Cenas e mais cenas protagonizadas pelas mesmas duas personagens. Um irreparável erro da genética e de logística a permanência dos dois na mesma família. Qualquer acento na voz, deslize de palavra desencadeava longos quinze minutos de discussão, com munição farta para dois sitcons e duas guerras civis. Uma epidemia de mal humor e esclerose se espalhava pela casa. O temperamento arredio de um, o bloco inerte de cimento do outro. Duas peças do mesmo acervo, que se quebrariam fatalmente em algum momento. Bastava um tropeço maior. Um grão a mais na pistola já tão sobrecarregada. A angústia, a descrença, a vergonha, a inexatidão permeavam os semblantes que corrigiam a rota no momento do impacto da retina. Vertiam ácido pelos dentes. E nem mesmo se alargavam mais em falsos “ bom dia”. Corpos espectrais crendo-se ausentes, mas no abalo do esbarro tremiam os dentes, apenas num ranger de porta, via-se o olho ardido e questionador, do outro lado apenas o silêncio desinteressado e contido em seu asco.

- Vai lá ver se já saiu do banho.
- se está tão interessado vai ver você
- vou mesmo, sou eu que pago a porra dessa conta ( na verdade não, não era ele que pagava e sim sua mulher)

Subiu até o penúltimo degrau da escada. A porta do banheiro ainda estava fechada. O vulto corpóreo movendo-se com alguns ruídos.

Dentro do banheiro, cheio de dores nas costas, má postura talvez, semi curvado como um viaduto. Ao desligar o chuveiro, os ouvidos captam o diálogo que ocorre na sala. Seu sobrolho se franze. Arruma-se e faz questão na demora. A toalha roça quase na medida do osso. Arranca a pele velha e deixa a nova vermelha. Desce as escadas.

- o chuveiro não estava esse tempo todo ligado.
- vai saber, teve uma vez que pareceu ter morrido lá dentro...
- vai ver que morri mesmo
- ah que bom
- se tá tão interessado porque não vai lá tirar o cadáver então?
- como é?
- além de estúpido, é surdo também?
- parem vocês dois!

Silêncio na sala.

Cada um vira-se para o seu lado. Um vai comer o outro resmungando ver o programa do Raul Gil na TV.