segunda-feira, 4 de maio de 2009

Fragmentos de um discurso indireto

Tudo que toco não é meu de fato. Nem meus braços, nem meus cabelos desgrenhados. Todos os fios são alugados e serão desalojados de mim uma hora. Toda palavra que me sonha, cada corpo que eu sonho, não pertencem a mim de fato, nem em pensamentos nem em batimentos. Todas as minhas partes são de segunda sensação. E nem mesmo as coisas originais dentro da minha cabeça o são.

Pombas, se tivesse que dizer tudo que quero se resumiria a carta a um silêncio. Porque todas as palavras seriam mentiras e tentativas de reaver coisas não minhas. Apenas pastas temporárias que não podem mais ser abertas. Apenas arquivos de leitura para noites solitárias. Se tivesse que parar em frente a você agora, espelho, pessoa, relíquia, cadeira, pronome, nada poderia balbuciar de novo, todos os guinchos já foram perpretados no espaço. Todas as tolices já viraram manual em fascículos dominicais. Tento enrolar minhas emoções num novelo, mas meu gato sempre desarranja tudo como num grande desarranjo intestinal, e quando vejo, está tudo verborragicamente sangrado. Ou não, a palavra se azeda na boca e consome-se na carne afásica dos lábios. Rumina dentro de si todo o sentido e todo o lamento que apenas os olhares desviados prometem. A realidade não existente de um coração é singela como um copo que se estilhaça. Basta apenas um dedo, um impulso, mas ai já é dizer que tudo se resume a fragilidade, quando na verdade o problema reside na persistência. Na dureza dos passos distantes. Se tivesse realmente que dizer o que quero, seria uma frase sem critério. E as vértebras se envergariam num viaduto de suposições e assuntos não terminados. Em ausências corruptivas.

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