sábado, 9 de maio de 2009


Não, não criei nada novo. Nenhuma forma ultramoderna para redigir mentiras. Não inventei o papel, tampouco a caneta. Mas criei uma série de personagens pra mim. Deitei fora o tempo, a emoção e a tentativa, deixei ficar o medo, o ranço e a covardia desmedida, misturada com certa doçura, pra não criar úlcera. É muito ácido contido nesse barril. Às vezes desmancha as paredes e corrói algumas veias e nessa hora eu sinto uma dor filha da mãe. Mas isso nem é digno de colocar num livro. Essa tristeza lírica terminou no século XIX, mas é sempre bom revisitar alguns movimentos, nada se cria. Eu não me crio, eu me desalinho, me perverto numa nova maldição. Eu e meu eu sozinho, mordicando travesseiros, trepados em espinhas dorsais vendo o horizonte se dissipar. Aqui da minha, nossa, gaiola o horizonte sempre tem cortes, código de barras. Aqui da minha, nossa gaiola.
Sinto solidão acumulada de muitas vidas que não vivi, todas as personagens minhas fizeram coisas que eu não vi, sonhei apenas e acordei com dores. Pistola sangrada virada pra minha testa. Suicídio de nervos no calor da manhã. Revirei uma caixa de sapatos na procura de um embrulho de palavras originais, encontrei apenas reticências e pontos finais. Encontrei a poeira que havia retirado das retinas, coloquei de volta, vi os organismos assexuados do marasmo construindo micro cidades sobre as córneas minhas. Floreio, Folheio minhas cordas vocais em busca de uma canção, já revirei a memória, mas pra cantar aqui na gaiola, lá não encontrei nada que já não estivesse apodrecido e meio flácido ou meio morto.

Aqui

da distância dessa gaiola cinza,dá pra ver um bocado de peças de dominós que atendem também pelo nome de prédios, mas o princípio é o mesmo, empurre um e os outros caem atrás, são como pessoas também. E do alto desse domino que é prédio e é gente, alguém pulou e se desfigurou num asfalto. E se transfigurou em mancha em noticia e alguma lágrima? Essa última eu já não sei, é imagem minúscula, não dá pra aumentar o zoom. Aqui da minha gaiola não tem como aumentar o zoom. Mas imagino que tenha sido uma mancha difícil de lavar. Pessoas são sempre difíceis de sair da memória das coisas, impregnam do armário a retina.

Um comentário:

  1. a ultima frase desse texto é simplesmente impecável...adorei

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