sábado, 23 de maio de 2009

Paleta de cores

Aumento a síntese das dores. Despejo sobre as coisas formas que não existem. Carrego nas tintas do drama. E mesmo sabendo que isso desemboca num abismo de dentes podres, acumulo dentro de mim recortes de jornais que nunca serão escritos. Noticias que nunca serão salivadas. Carrego dentro de mim a esperança do êxito em todas as suas formas e conteúdos. Mas a cada cor acrescentada a essa mistura mais cinza se torna o amanhecer. E mais distante se tornam as ruas, mais largas as distâncias. Quanto mais cores e gritos e sussurros acrescento a essa infinidade de mundos mais distante se torna o chão, a cama, a chaleira o pijama.

Aumento de forma exagerada os parágrafos da canção, assimilo as estrofes doloridas e esqueço que delas também brotam palavras agridoces, releio meus internos diários na busca de um processo que não mais me pertence. O vitimismo barato e a banalidade das linhas fáceis torna toda a redoma aparente. Mas o que se torna visto? Nem mesmo o rosto consegue esconder o brilho que cintila de um coração em chamas, ardendo de inquietação e amor excessivo. Nada de rodeios. Apenas desejos repreendidos. Um leve sabor de derrota entre os dentes apodrecidos. Uma saída fácil para toda a sensação de estranheza, escrever como se o fim do mundo estivesse ali na esquina tomando um café, aguardando um sinal. Uma mão imaginária que vai destruir todas as portas de Griffith, todas as pontes de Eisenstein.

Aumento as doses de risos frouxos acumulados num mundo sem palavras. De bocas que não tem a finalidade do escarro nem do beijo, apenas projetoras de uma imagem que contamina tudo com sua velhice. Apenas um móvel da sala de estar, apenas uma nuvem que passa sem se tornar alvo da imaginação. A boca minha desenha tudo com linhas de fumo azedo, deixa que meu rosto fique deturpado e permite que dentro de mim as duas coisas se excitem. Dentro de mim convivem duas personagens que nunca se distanciam e nunca se agradam. A crueldade descabida e brutal e a sensibilidade espontânea. Duas coisas distintas que nunca se tocam. E a brutalidade sempre ganha no grito a transparência do espelho. Sempre recende no hálito da manhã permeada de um horizonte turvo. Na desmedida tristeza do nada fazer além de continuar a representar um papel que não mais cabe a todas as partes. Mas que é predominante nas retinas alheias, que não mais pode ser descolado. Já não há nada de novo desse lado do espaço, o que era pra ser amor, tornou-se apenas um espasmo de raiva assimilada, o que era pra ser sincero, tornou-se relutante e torpe. De todas as linhas e suportes emerge uma amargura desgraçada, uma choradeira mal acalentada. Um espírito que não se doma sem espinhos. Por toda as correntes eletricas que percorrem meus circuitos fica um nome que nunca mais se projetará nos meus lábios vazios. Fica um esquecimento repleto de desculpas e culpas cristãs. As melhores coisas ficaram na casa do talvez, e aceleradas se jogaram de braços abertos no nunca mais. Suicídio de sensações primais. Estofado arrancado a garfadas pelo medo e pela insegurança.
Era uma vez alguém que não queria deixar de ser criança...

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