terça-feira, 12 de maio de 2009

Parte V

Era tão errado? Será que era tão errado? Eu tinha todos os pensamentos ardendo naqueles dias. Eu tinha todas as janelas abertas e numa gaiola do lado de casa ficava a puta baranga da ignorância. Eu nem fazia caso dela e achava que ela também não de mim. Mas ela pegou as barras da gaiola e isolou o ar a minha volta. Fez balas de iogurte com os meus neurônios e azulejos mijados e cheios de verme me servem de casa. Ninguém me vê. Sou invisível. Posso atravessar paredes aqui nesse silêncio todo. Posso imaginar portas, forcas, focas. Posso ter tudo aqui na palma imunda da minha mão. O Doutor Bernardo já vai chegar, ele adora fazer perguntas e fumar aquele cachimbo fedido que eu odeio. Deve ser crack. Deve ser crack o que aquele filho da puta fuma. Pra fazer tantas perguntas absurdas e falar de um jeito tão ridiculo como se eu usasse fraudas ainda. Eu até uso mas não é por opção não me deixam mais usar roupa normal. Tentei tecer um casaco com as minhas unhas e usei vários pedacinhos da sola do pé. Mas não é demencia nem senilidade. É só um jeito de passar o tempo aqui nesse lugar que não tem tempo onde as pessoas que não querem perder tempo jogam pessoas com tempo de sobra. Dá pra entender? Não? Eu também não, mas achei bonito. Criativo. Quem sabe eu anote, se sobrar algum pedaço de papel higiênico, se sobrar, porque eles dão contado, com medo de eu engolir tudo e tentar me sufocar. Tanto que toda vez que eu vou ao banheiro eles só faltam abrir minha bunda pra ver se não guardei nenhum pedaço pra depois. Fica difícil, não tem lugar pra escrever, não tem nada pra fazer, eu escrevo com as unhas nas solas dos pés nos pedaços da barriga que não estão muito sujos. Ai toda semana eu apago na água quentinha pra escrever tudo de novo. Mas o que é importante eu guardo aqui ó. Na cabeça. Bem aqui. Eu guardo tudo aqui, as cartas que eu escrevo pra ela, os dias que não tinham barras no meio, os horizontes, as camisetas laranjas. A raiva. A raiva a raiva eu deixo aqui do lado de fora. Da boca pra fora eu deixo aqui. Pra pregar pregos na boca. Eu deixo todo o lirismo amarfanhado sair feito peido. Deixo tudo isso pro doutor Bernardo analisar e falo e falo e falo sem parar coisas bonitas que vem na minha cabeça puxo lá das gavetas do fundo todas as coisas que ele quer ouvir.

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