sábado, 9 de maio de 2009

12 minutos

Sentada em frente ao cinema. A sessão começava em vinte minutos, tempo de sobra pra tomar um ar. Matar o tempo e um pouco do tédio. Pegou uma Soda e sentou no boulevard em frente ao cinema. Pessoas passando em sua frente, as mais diferentes possíveis. Garotas do Morumbi, punks, travestis, prostitutas a paisana, vendedores, drogados, cinéfilos e o rapaz bonito de camisa xadrez. Seu olhar parou nele. Parecia avoado. Parado em frente ao cinema do outro lado da rua olhando pro dedo. Será que ele ia no cinema também? Que filme? Pela cara...um francês? pode ser, tem cara. Ficou algum tempo reparando no rapaz. Balançou a lata de Soda estava quase no final, olhou para o relógio, como o tempo passou rápido. Faltavam dez minutos para o filme começar. Levantou-se, deu uma última golada e olhou mais uma vez para o rapaz. Ele ia entrar no cinema mesmo. Estava já procurando a carteira. Sorriu. Jogou a lata fora. Arrumou o cabelo. Entrou no cinema, enquanto do outro lado da rua ele procurava a carteira. Decidiu sentar um pouco no fundo e num lugar com cadeiras livres ao lado. Se ele fosse ver aquele filme chegaria atrasado e talvez sentasse do lado dela.

Ardeu o corte na ponta do dedo. Arranhado de gato, linha gasta avermelhando. Pele esbranquiçada eriçada na beira do corte. Coisa cotidiana. Ficou parado admirando a pele sua que ficava eriçada e nem reparou no garoto que enfiava sutilmente a mão na sua mochila e lhe arrancava a carteira. Mar de gente em volta, todos cegos. Quem sabem um ruminar aqui e ali, Olha, mas nada efetivo. Olhou no relógio, na frente do cinema e a sessão já ia começar. Deixou o ardido do dedo momentaneamente de lado. Apalpou na mochila a carteira e sentiu um vácuo. Olhou em volta em todos os bolsos, sentiu-se palhaço.Todos a sua volta olhavam como se não soubessem o que ocorreu.

Andando calmamente subindo a rua, cumprimentava um ou outro. Dobrou numa esquina e sentou-se em frente a uma casa. Deixou cair sobre a calçada um punhado de carteiras. De couro, grandes, pequenas, recheadas, magras. Fotos, RGs, CPFs, toda a espécie de Doc. que não interessava. De que adiantava saber que Adriano Cintra tinha 23 anos? Pra ele? Nada. O que importava é que Adriano era um puta de um pé rapado, tinha só dez reais na carteira. Ficou olhando praquelas fotos espalhadas na calçada. Algumas pessoas passavam, mas eram cegas, todas cegas. Ele riu. Colocou o dinheiro no bolso. Olhou mais um pouco as fotos, o executivo gordo, a velha rabugenta, olha só essa cara! Deve ter um punhado de plásticas e pra rir deve levantar a perna! E esse, que cara de coitado! Deve ser o dos dez reais. Era o cara da frente do cinema, deve ser estudante, 23 anos, deve ser. Quinta? é o dia mais barato do cinema da cidade. Deve ser estudante mesmo!

Adriano em frente ao cinema desesperado, acabara de perder todos os seus documentos. Não tinha dinheiro para ir pra faculdade nem pra casa. E não poderia ver o filme Argentino que tanto queria. Todos em volta olhavam pra ele. Mas não adiantava. Eram todos cegos. Desceu a rua acabrunhado, agora tinha burocracias pra resolver e um longo caminho de volta pra casa a pé, ás cinco da tarde.

Vez ou outra ela colocou a mão na cadeira vaga ao lado, na esperança de encontrar uma outra a sua espera. Mas após tatear o vazio houve a suspensão da descrença e ela já não lembrava do rapaz bonito da camisa xadrez. Era um ótimo filme francês.

Deixou as carteiras numa caçamba, apenas uma foto levou no bolso, a de uma garota bonita que estava na carteira do pé rapado do cinema. De resto ao lixo com as identidades. De que vale um RG?

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