segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Dois corpos+ um silêncio = um RG voando pela avenida Paulista no meio da noite

Jogue duas pessoas de uma ponte, completamente estranhas, haverá um diálogo melhor do que o meu e o seu. Porque ali no momento da morte que chega como tapa no rosto, não há escapatória, é o silêncio ou o grito. Ali apenas importa o que vai te confortar. O que vai te fazer viver por dois segundos. O que te faz viver? O que me faz viver por um segundo a mais? Por um dia todo eu achei que fosse uma parte de você que ainda habitasse minhas linhas, mas o seu socorro é um desapego que tira minha alma mais rapido do corpo.
O seu socorro é um cuspe no meu espelho, no meio do meu gatilho. Obrigado por me fazer ir embora. Eu não saberia ir sozinha, se não fosse uma faca cravada num momento em que estava frágil, e apenas um teco da sua voz me confortaria. Mas nem isso você foi capaz hein?
Abanou a cabeça e deixou - se mais próximo da Lua, por mais que se desviasse do caminho, sempre haveria uma desilusão ou infortúnio pra leva-lo de volta.
Rima para um dia de cortina rasgada

Um grande foda-se para o descaso
um grande abraço e um adeus imaginário
Um grande foda-se pras suas histórias
Um foda-se para os seus retratos

Nada mais irrita um ator do que o descaso do público com suas cenas. Desse teatro fiquei farto. Não vou pular da ponte, mas dar um pontapé nesses seus dentes seria apreciável. Te intriga meu "Q" de revolta? Aposto que não, é jogo marcado. Vou rir quando você descobrir que esse coração foi desapropriado.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Fotografias na calçada

Desceu a rua sem nenhuma expectativa, achou no meio do caminho algo muito parecido com uma fotografia. Achou bonito o rosto e até na sua imaginação, ensaiou um bom dia praquele rosto. Criou uma história praquele corpo e deixou-se andar. Parou num café e ficou aberto, com um café esfumaçando sua vista. Criou passado, presente e futuro praquele belo rosto, quantas vezes havia amado, sofrido, sido demitido, como gostava de ser tocado, se havia chegado a um orgasmo. Rendeu uam tarde inteira de especulações. Ao final cansado de tantas histórias abandonou a fotografia para que outra cabeça pudesse criar alguma outra história sobre aquele rosto ou até mesmo se apaixonar por ele. Ou ainda reavivar alguma recordação estranha nos baús da mente. Saiu do café. Sobre o balcão o rosto ainda sorridente num fundo de cores de Almodóvar.
Entre duas portas

Algumas mulheres são assim simplesmente, causam dores de cabeça, mas quando querem sabem abrir belos sorrisos. Abrem aquelas fendas no coração e deixam fluir por ele uma onda de calor e aí acabou-se a cara feia, a ferida cicatriza, o riso aflora solto e não há nuvens no céu. Algumas mulheres quando querem ser mulheres não precisam de muito além de um ângulo mais próximo numa fotografia, basta mudar a blusa. Algumas mulheres são simplesmente impossíveis, nunca sabem porque querem, mas querem, erguem seus pequenos ferrões e pronto, desce um veneno que não mata, mas que reserva alucionações prolongadas, por alguns, dias, meses ou anos. Algumas mulheres sabem se conter e se esparramar. Algumas são dificéis de soprar. E quando sopradas não apagam, acendem.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Na manhã um poema se estende solitário sobre a cama

Deixo para o sol a função de queimar, para o asfalto a de arrancar pedaços de pele no ato da queda. Espalho pequenas mentiras pelo ar pra completar a sensação de vazio. Não são mais as pessoas que me preocupam, todas viraram bonecos de papelão que se desmantelam na chuva. Alguma coisa aqui dentro fez clic e não girou a chave. Alguma coisa aqui dormiu. A pistola respira leve. Alguma coisa aqui morreu? Deixo para o dicionário a função de explicar. Deixo para o poema a função do lírico, apenas para o corpo a função do movimento dentro dos calendários incorrupivéis. Não dá pra entender? É confuso? Não, não é, eu apenas me cansei de pequenas mentirinhas pra tornar as coisas mais sensíveis, mais belas. A verdade é crua como um animal morto. Eu apenas deixei de pintar quadros todas as manhãs. As histórias por aqui respiram de mais, transpiram demais. Algo a mais, além da sensação. Deixo para o tempo a função de matar, apenas a mim, a função de viver, ser espinho e desculpe, quem sabe transpassar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Micro contos - Quando a última das personagens atravessa a rua

Alguns detalhes sobre o garoto de vermelho
Ele mentia às vezes
Ele se apaixonava sempre
E ele odiava esse último detalhe


Ele saiu da estrada sem olhar pros lados, ele correu de abraços abertos no espaço, o jornal disse que foi fatal. Não havia mais livros na sua mochila, havia apenas o silêncio como carícia. E um espasmo leve como um poema, quando do alto ele se viu. Se alguém o tivesse abraçado alguns minutos antes ele não teria corrido, talvez? Mas agora não adiantava chorar em cima do caixão, não adiantava rememorar seus pedaços. Do alto cínico, ele ria entre as nuvens, como as pessoas são toscas.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Micro contos - Sozinho no além na beira da Lua

Do alto, perdido como o logo da Dreamworks, ele via toda a sorte de pessoas que se esgueiravam pela rua. Ali estava sentado bem na beiradinha quase pra cair, meio lírico, meio irônico, um escritor com asas seria uma visão muito romântica e ele era no fim de tudo um cínico e um cético. Ela andava por lá, escrevendo outros nomes, outros poemas usando os livros dele como suporte. Deveria sentir-se azedo, mas era quase leve, finalmente era uma nuvem. Às vezes resmungava uma ou duas músicas que o fariam relembrar alguém, mas era sempre um pronome, não um nome, não um corpo. Era uma ausência, uma sensação e não um gozo. Ali, na beira da Lua queria ainda ter o RG, para poder picota-lo e fazer chuva de si. Mas há muito já não estava em si pra renegar a identidade. Saltou num giro no ar, e quase numa pirueta espalmou nuvens e pedaços de memória. Ainda que sozinho e relativamente morto, estava feliz. Não haveria mais sobre si o peso de uma manhã sem sonhos. Havia para si um pedaço do céu onde ele poderia escrever todos os livros dos seus sonhos. Da beirada da Lua chutou um resmungo e seguiu com as mãos enfiadas no bolso das calças.
Micro contos - E ela nem soube a causa da morte

"Mas eu nem sabia de nada", foi a primeira coisa que disse ao ser chamada, "eu não sabia que eram pra mim aquelas palavras". Mas todas as portas, janelas, cigarros, garrafas, vícios, cadeiras e pregos e pedaços de ferro riram em silêncio e lhe deram um sorriso vazio de retorno. Todos sabiam, até os cegos, os iletrados, por mais que ele tentasse esconder, colocasse outros nomes, era sempre aquela figura pálida que o assombrava. E agora que o cadáver jazia com algodões nas narinas de nada mais adiantava ela dizer "amor".
Micro contos - E ele deixou-se apagar como um sorriso

Algumas palavras fazem rir, outras nada despertam. Nenhum dos textos dele eram cartas de amor ou pedidos de desculpas, apenas alguns segundos de fraqueza arquejante e descontrolada que dentro dele logo teriam fim. Nenhum dos seus escritos eram delicados ou entitulados, escrevia pelo hábito, pela febre e pela chance de esgueirar-se pelas cabeças e bocas alheias, um jeito de ecoar como um grito seco pelas gargantas. Porque a dele era rouca, muda. Algumas palavras dele agradaram alguém que ele não queria mais agradar, talvez pelo hábito de perder-se em indas e vindas, a credibilidade das suas sensações tenha sido repuxada como um riso falso. Um cuspe antes da queda do cadafalso, e o corpo pendendo a centímetros do chão. Ele era a própria imagem da rouquidão e do olhar perdido. Mas mesmo assim ninguém soube compreender o porque dele ter misturado arsênico no vinho e ter escrito entre espasmos até o amanhecer. E a sua última letra não foi uma carta de amor, nem de desculpas, foi uma elegia a sua estupenda capacidade de ser estúpido.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Micro contos - aquele tédio do qual você não quis me salvar

Ah tédio corroendo as veias e uma certa dúvida quando você não está. Tomei a decisão certa eu sei, mas já existe um alfabeto inteiro no meu lugar. No fundo o meu drama só serviu pra me dar tela, mas pra você foi apenas mais uma cena. Não fez diferença, saiu do teatro do mesmo jeito que entrou. E nos meus atos você não se remenda, fica de beira, de boa, de cena com qualquer outro par. Eu beiro a injustiça querendo tentar de novo, a pele macia, os lábios, os jogos, mas de nada vai adiantar, já haverá uma Marcela, Debora, Carla, Andreia, Carol, qualquer outro nome em meu lugar. No fundo eu odeio mais o ato do amor do que a minha loucura. Existência cretina e impura. Deu pra perceber que eu te chamo sem parar, que eu quase grito. Aquela sequência de palavras inúteis que você deve ouvir de alguma outra boca. Que a minha idiotice seja eterna enquanto dure, porra.
Na menor unidade de tempo

Misturou as tintas com vigor. Remexeu entre as paletas e os pincéis cobertos de poeira. Era um bom dia para desligar o celular. Um bom dia para não entrar na Internet. Um bom dia para deixar o telefone fora do gancho e dizer na empresa que estava doente. Era um dia de sol. E sua relação com ele era mais do que epidérmica. Colocou a camisa mais velha que tinha, uma xadrez azul de quadrados largos toda rasgada e suja de tinta seca, arregaçou as mangas, fechou cerca de quatro botões que ainda restavam. Tirou de baixo da cama o cavalete improvisado. Limpou com um pano as teias de aranha. Sentou-se de frente para a janela e deixou-se desligar apenas as mãos e o peito funcionando em uníssono. Deixou o som baixo. O riscar frenético do lápis ávido por deleitar-se nas brancas folhas, a tinta plástica e sedosa envolta em potes translúcidos. Imergiu em um romantismo todo dele. Apenas dele. E que ninguém poderia entender.

Deitou-se na cama apenas por gosto, não tinha sono. Ficou ali olhando para o teto ouvindo música. As notas entrando e saindo da sua cabeça dando voltas oportunas por seus lábios. Com as mãos debaixo da cabeça os pés jogados displicentemente de sapatos sobre a colcha azul de barcos. Os olhos fechados por alguns instantes. O sussurrar quase silencioso da sua boca numa letra apenas por ele conhecida para aquela canção. Sem levantar-se da cama pegou o baixo ao lado da cama. Encostou-o ao corpo e ficou ali dedilhando as cordas. Por mais incômodo que a posição pudesse parecer, ele não sentia desconforto.

Na rua movimentada os fones no ouvido. O jeans de lycra não muito apertada, a jaqueta e a mochila prendendo seu corpo em meio ao asfalto e as pessoas apressadas que passavam como borrões. Sentia apenas o som invadindo cada um dos seus músculos, uma coisa quase frenética. Soltava as mãos e permitia alguns movimentos compassados com seus passos.

Sentado debaixo de uma árvore o notebook no colo. Fones nos ouvidos. O sol como tela de fundo. Os dedos acariciavam as teclas como a pele morna de uma mulher, extraindo dela os melhores desejos e os mais fugazes gemidos.

Abraço o travesseiro, me dou o prazer, transo comigo pensando em você.

Suspirou e deixou-se lânguida sem os relógios

E do desconforto veio
Um desenho
Uma canção
Um passo
Um conto
Um riso
 
 

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Micro contos soltos no espaço

Deixando as coisas meio de lado, assim meio rejeito, meio a parte, meio inteiro. Não tem jeito, desregulo o relógio logo pela manhã pra não ter tempo de olhar pra trás. Tanto faz. Tanto faz? Ah, sei lá deve fazer, já não tenho o tempo de uma respiração pra pensar. Um batimento a mais e eu posso estourar. Se isso ocorrer será que alguém pega meus pedaços no céu, tipo chuva de papel picado laranja?

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Quando alguns poemas foram jogados do alto da escada e quebraram as pernas

Dificilmente dou nome aos bois, mas hoje acordei com um caco de vidro enfiado na goela, rasgando e sangrando, cuspi tudo que havia aqui guardado e pra minha surpresa não havia nada, além do cansaço. As minhas tripas não saíram do avesso. E eu fiquei escutando “Listen to your heart”. Quando o caco cortou mais fundo e as minhas cordas vocais ficaram nulas inventei uma desculpa pra toda o silêncio. Inventei desculpas pra não reler as antigas. Fiquei vazia. A cama toda sangrada e o peito calmo, mas as minhas linhas, as minhas linhas vibravam, os dedos convulsivos procuraram qualquer pedaço de papel, de parede que pudesse oferecer algum conforto. Mas nada, absolutamente nada, parece me preencher. Quantas vezes terei que dizer que aqui dentro é difícil? Que não adianta me guiar com toda a calma do mundo, que não adianta esperar alguma reação normal de mim. Quantas vezes eu já pintei esse quadro tentando explicar o funcionamento dessa máquina? Não existe um manual. Aperte esse botão para a ação X. Puxe a alavanca em caso de incêndio. Isso não existe. Não há espaço pra frieza, pra indiferença nas minhas linhas, eu não sei lidar com isso. Os meus braços estão sempre abertos por mais que se cortem, se quebrem, inchem ou tenham que ser amputados. A verdade é que eu me lixo pro medo de morrer, seja de amor seja de angústia ou de qualquer outro jeito. Somos seres efêmeros, passageiros num trem desgovernado que pode descarrilar a qualquer momento. Temos corações sensíveis que podem criar espinhos, que podem virar pensão de mendigos. Que podem ficar vazios. Caralho. Eu não sei ser concreto, sou de vidro, transparente. Negligente até mesmo. Porque não ligo se a ação será ridícula, se os poemas irão pra lixeira. Eu preciso de um depósito pras minhas besteiras, de furor, de fogo e fúria. Não sei entender receios, medos ou apostas. Principalmente porque eu sequei suas lágrimas inúmeras vezes. Estive sempre ao seu lado, com a garganta sufocada, mas sempre ao seu lado. E pra que? Pra você jogar todas as minhas esperanças numa lata de lixo em meio a camisas, fetos, jornais e restos do jantar de ontem. Melhor do que ninguém você devia saber da minha sensibilidade oculta, não pra palavras, porque eu te conheço e sei o que há por trás de cada uma delas, mas das suas malditas ações. Não quero uma placa de propriedade particular na sua testa. Não quer ter direitos sobre você. Mas imaginei que ao menos você soubesse lidar comigo e olha que coisa, não, você não sabe. Nunca tentou apreender. Eu tentei me adaptar ao seu jeito frio de fazer as coisas, ao seu modo delicado de ignorar qualquer drama. Mas eu gosto de Almodóvar. Preciso sentir que há algo vivo. E pra variar temos maneiras bem distintas de fazer isso. E ontem eu joguei tudo fora. Porque eu me cansei, há quase quatro anos de indas, vindas, quases, reviravoltas e discussões. Sei que a maior parte da idiotice é minha, porque eu cismo em tentar. Por que as vezes dá certo, por alguns minutos, mas é sempre um jogo frágil. E esse cansaço vem me consumindo. A última chama que havia dentro de mim apagou. Ficaram cinzas e escombros. E uma tagarelice barata, vontade de exorcizar todas as palavras que ainda querem dar voltas dentro da boca. Coisas que você nunca mais vai ouvir de mim. Dentro de mim não fica raiva, apenas uma magoa por você nunca ter tentado de fato. Sempre ter permanecido nas minhas bordas.

E como tudo uma hora descansa e morre esse texto uma hora vai perder a importância. Porque todas as palavras já estão mortas ao saírem da boca ou da ponta dos dedos. Pertencem a um passado frágil, numa via única.
Sindrome do passado recorrente
[ Estudo para um roteiro]

Deixo para trás o que pertence ao passado, você, suas músicas, seus risos e tudo mais que me deixava mais branda. Deixo de presente para a memória os ouvidos, as bocas, as tentativas, daqui pra frente mesmo que me doa muito, seguirei sem você. Mesmo que saiba de tudo que sinto, mesmo que você saiba melhor que eu, do meu desespero, da minha intensidade e do meu exagero. De todas as palavras e poemas que eu guardo dentro de mim. Você me conhece como uma sombra, mas nem de longe entende o que me move, o que necessita a pistola minha antes do derradeiro disparo. Você não pode conter meu coração num vasilhame de coca ou num saco de suspiros. Você não pode entender os meus vícios, as minhas amenidades e momentos ridículos. Desde o início não eramos peças do mesmo quebra-cabeças, mas eu quis tentar. Gosto da tentativa não certeira, do abismo que se abre num beijo salivado, gosto do perigo e do acaso. Fica aqui meu último dia dedicado a você, que não soube ver todas as coisas que eu tinha pra te dar.