quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Na menor unidade de tempo

Misturou as tintas com vigor. Remexeu entre as paletas e os pincéis cobertos de poeira. Era um bom dia para desligar o celular. Um bom dia para não entrar na Internet. Um bom dia para deixar o telefone fora do gancho e dizer na empresa que estava doente. Era um dia de sol. E sua relação com ele era mais do que epidérmica. Colocou a camisa mais velha que tinha, uma xadrez azul de quadrados largos toda rasgada e suja de tinta seca, arregaçou as mangas, fechou cerca de quatro botões que ainda restavam. Tirou de baixo da cama o cavalete improvisado. Limpou com um pano as teias de aranha. Sentou-se de frente para a janela e deixou-se desligar apenas as mãos e o peito funcionando em uníssono. Deixou o som baixo. O riscar frenético do lápis ávido por deleitar-se nas brancas folhas, a tinta plástica e sedosa envolta em potes translúcidos. Imergiu em um romantismo todo dele. Apenas dele. E que ninguém poderia entender.

Deitou-se na cama apenas por gosto, não tinha sono. Ficou ali olhando para o teto ouvindo música. As notas entrando e saindo da sua cabeça dando voltas oportunas por seus lábios. Com as mãos debaixo da cabeça os pés jogados displicentemente de sapatos sobre a colcha azul de barcos. Os olhos fechados por alguns instantes. O sussurrar quase silencioso da sua boca numa letra apenas por ele conhecida para aquela canção. Sem levantar-se da cama pegou o baixo ao lado da cama. Encostou-o ao corpo e ficou ali dedilhando as cordas. Por mais incômodo que a posição pudesse parecer, ele não sentia desconforto.

Na rua movimentada os fones no ouvido. O jeans de lycra não muito apertada, a jaqueta e a mochila prendendo seu corpo em meio ao asfalto e as pessoas apressadas que passavam como borrões. Sentia apenas o som invadindo cada um dos seus músculos, uma coisa quase frenética. Soltava as mãos e permitia alguns movimentos compassados com seus passos.

Sentado debaixo de uma árvore o notebook no colo. Fones nos ouvidos. O sol como tela de fundo. Os dedos acariciavam as teclas como a pele morna de uma mulher, extraindo dela os melhores desejos e os mais fugazes gemidos.

Abraço o travesseiro, me dou o prazer, transo comigo pensando em você.

Suspirou e deixou-se lânguida sem os relógios

E do desconforto veio
Um desenho
Uma canção
Um passo
Um conto
Um riso
 
 

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