terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tempestades de verão

Me traduza pelas minhas músicas. Pelas minhas tristezas nem tão escondidas assim. Mas elas são falsas. São apenas gavetas vazias. Eu sou um armário. Entrei nessa pira. Eu sou um armário, cheio de roupas fora de moda e muito gastas jogadas. Mas eu tenho gavetas vazias. Parecia muito, mas é tão pouco. Essa coisa toda não me preenche. Não me faz. Ainda não faz. Depois de tanto tempo, parece o mesmo disco arranhado repetido inúmeras vezes. Você sabe do que eu falo, assim, quando eu sempre... Eu sinto isso aqui, isso, arrancado, um vazio espetacular. Uma foto de paisagem sem paisagem alguma, ou, ou com algo muito líquido, uma paisagem líquida. De humores vagos, como tempestades de verão, inundadas de raios de sol e gotas de gelo. Minha paisagem interna, melancólica, admito. Mas tão minha, como as mãos, que indecisas percorrem as possibilidades de traços, recheios e caem inertes num cansaço. Num vazio. Numa sensação de não pertencerem a esse mundo. A esse lugar/corpo/tempo.

Eu queria poder sumir nos dias de chuva.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Café

Um coador de café logo após sentir a quentura da água e o peso saindo pelos poros, fica assim atordoado. Um vazio se instala. Ainda há rastros borbulhantes na sua extensão, mas o calor não é o mesmo. E a sensação de utilidade já se foi. Resta a pia, a companhia dos copos, xícaras ainda enfumaçados, dos pratos com restos delicados de morango e creme. Um fim de tarde escoado e algumas vozes agora distantes e baixas sumindo da cozinha. Mas na memória, sim, coadores de café tem memória, fica aquele calor, aquela morte quente que o desfez fibra a fibra até se recompor numa morna massa marrom entrecortada de suspiros. E após lavado, horas depois, ainda na fibra, um sutil amarronzado fica na fibra. Até o dia em que o amarelo e o marrom carcomam por inteiro o branco do tecido, ou que as mãos se cansem de lavá-lo e venham a substitui-lo os frios e inumanos coadores de papel.