domingo, 26 de dezembro de 2010

Descanso na janela o copo de Cinzano

Descanso meu amor nas folhas de papel, nas linhas mal talhadas da madeira, nos fios de lápis, nas manchas singulares da aquarela. Descanso tudo que sinto por aqueles lados. Porque você já não me ouve, e sinto que lá por dentro voltamos ao início. E a minha saudade é de uma coisa que quase existiu. Entende? Quase. Porque na minha cabeça louca, se não é intenso e queima beirando a dor não existe. Em mim ardeu, queimou, virou cinza. Dentro de você? Ah não sei. É coisa estranha. Essa maneira estrangulada de gostar de você. E sinto que nos perdemos em algum lugar desse amor não declarado mas gritado e rouco e pouco e muito e fúria e som e penumbra. Alguma coisa em mim martela a sua perda e alguma caneta sua destila "eu te amo" na minha palma, mas ultimamente ando descrente com esse papo de amor. E fico tamborilando no tampo da mesa, esperando alguma outra dose de qualquer outra coisa que me desmanche.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Quando uma palavra vil afasta o outro rosto do meu coração

Para uma amiga
Não sou obrigada a gostar das pessoas que você gosta, nem de fazer o que você espera. No fundo a gente não se entende. Você defende o seu, eu o meu. No fundo o ano vai acabar prá nós como começou, duas pessoas estranhas que tentaram alguma coisa, algum minímo de humanidade e não conseguiram. Não entre nós. Com o resto do mundo quem sabe. Eu te machuco e te decepciono quando digo XYZ, você se assusta quando eu preciso de mais do que um bom dia via SMS. Eu já disse que estava te perdendo, eu senti. E agora eu sei que é fato. Posso estar errada a respeito disso, como estou sobre muitas coisas. Mas de tão parecidas eu nem sei se essa dor vai desaparecer ou vai se espalhar pelo corpo e virar uma ferida permanente.
Da janela, os pisca-pisca parecem assombrados. E eu não quero dormir com esse tumor latente que é o medo de acordar sem você. Essa é a verdade. Eu não dou o braço a torcer, me nego a dizer que foi tosco, infantil, que alguns sentimentos que me movem são mesquinhos. Que numa sequência de dias te mostrei pinturas vazias e deturpadas da minha alma. Mas também, não vou vilanizar meu coração todo. Entende? Essa coisa que oscila dentro de mim? Entre o vil e o terno? Se é de amor o meu passado e o meu presente pra você, há de entender que também há sentimentos egoistas, porque eu sou de carne e osso. E não transmutei num pássaro, numa gota de chuva, não sou dotada dessa inocência e simplicidade que seria necessária pra não te perder uma vez por semana.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

quando havia tijolos na goela

Por algumas horas, surtei. Sai de mim. Joguei fora todas as recordações e deletei todas as coisas que me lembrassem de você. De você. E daquele outro você. De todos os "vocês" com nomes tão diferentes que andam circulando minha vida. Apaguei cada resquício terno meu, pra ficar só isso: o surto, o instável. Procuro de todos os modos que vocês me deixem. Não dou brechas mais, para que me amem. Mas gratuitamente e passando por cima dos meus cismos vocês o fazem. (?)
Por algumas horas me afoguei num sal que machucava a pele. Fiquei submersa dentro de mim em silêncio, na tentativa de achar o botão de "desliga". Não achei. Sucumbi ao sono doente. Sem pensamentos, sem movimentos. Só o respiro maquinal dos pulmões. E hoje acordei deletando os restos dos nomes do meu telefone. Pra ficar vazio. Mas nunca fica vazio. Aqui dentro nunca fica vazio. Sempre é uma cena. Desmotivada, mas uma cena. Cheia de entrelinhas flácidas.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Depois da fúria, o desapego

Me pergunto até onde você me entende... até onde consegue enxergar. Acho que não muito. Quando digo A, você lê D, quando digo DÓI, você diz ÁGUA.. e assim seguimos. Com pequenas feridas e coisas sublinhadas com luz negra. Com olhares cheios de quinquilharias. Com réstias de silêncio caindo pelas pontas do cabelo. E assim vamos. E assim vou. Nem sei o que se passa, não tento mais entender. MEntiRA. Tento entender o tempo todo. Meu excesso, loucura e prazer estão nisso: no entender. No ter controle por entender.
E eu fico esperando que algo seja dito e olha lá, o silêncio passando com um copo de conhaque.
Me pergunto até que ponto isso é real? Até quando eu vou ficar nessa superfície pensando que o tempo é relativo, quando na verdade ele é hiperativo e estúpido.
Ah tá, tu nem tem nada com isso...

Entre a fúria e o amanhecer, um pedaço de mim nas suas mãos

Sinto que vou te perder. Sinto que já te perdi. Sinto que... minha comédia de erros se extendeu. Sinto um pouco daquilo que disse que senti. Mas não antes, talvez agora. São palavras em demasia, profusão de verdades não ditas. Só tocadas de leve pela ponta dos dedos.
Sinto que a cada dia, você se torna diferente, que as suas paixões aumentam e as minhas ficam mais perenes. Sinto que o excesso vai me corroer, excesso de procuras, de razões , de ausências.
Sinto. Sinto. SINTO. SINTO. SINTO. AS VEZES PORRA NENHUMA. AS VEZES TUDO. As vezes fico assim no meio do caminho, no farejar da manhã sem nunca ver o sol. Mas nunca é uma palavra estranha. A gente usa sempre. E isso torna as coisas fatais.
Procuro algo que me torne tangível, algo que possa me recobrar a razão. Mas acho isso dividido, num lado meu corpo grita e ecoa, noutro meu pensamento ecoa. As duas coisas no mesmo copo seria pedir muito? Seria uma dose muito cara? Seria assim mais fácil e teria menos peso entre meus braços, menos corpos nos meus abraços, menos desculpas quando acordo e não tenho paciência de olhar o espelho e ver todo aquele desejo desperdiçado. Vejo toda a minha fome a postos, como até os acentos numa gula acelerada e sem atino. Ergo a cabeça pra tomar o sol na cara e me queimar e talvez com um pouco de dor sentir menos que toda essa solidão desnecessária. Afinal, por mais que eu me dê nunca ( olha ai o nunca de novo) me dou por inteiro. E daí ficam pedaços meus boiando indignos sem chance de reconciliação por aí. E eu não Sinto mais que eu exista nos meus beijos. Que até meus braços já se tornaram galhos secos e podados do resto do mundo.
E olha que engraçado, eu sinto que te perdi, quando consegui te achar e te deixar a vontade no meu coração, eu te perdi, lentamente por entre meus dedos. Mas não eu não falava de amor, será que você não entendeu? Será que é sempre essa palavra que você vê quando olha nos meus olhos?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Distante, muito distante da corrosão habitual do café da manhã

Nem sei. Passou pela janela. Acho que devia doer. Acho que devia marcar. Porque não marca? não dói? Me sinto tão fdp.. deveria doer, eu deveria me importar. Eu me importo. Mentira, faço cena. Era cena, eu senti, o corpo tava fora. E eu senti fome. E eu senti cheiro de queijo no ar. Mas deveria doer. Ela me perguntou, eu disse meia dúzia de impropérios. Ela disse: " Suja". E o meu mundo ficou cinza. Não por sentir, mas por pensar " caralho é isso que você vê? jura que é só isso?"
Tá vazio, tá frio aqui dentro. A porta ficou aberta, a janela ficou aberta e a sala vazia. É frio aqui dentro, eu tento preencher de nomes, datas, corpos, lascas, pensamentos, figos, latas, copos, garrafas, saliva, baratas, sensações frouxas, mas nada fica tempo suficiente pra me mudar.
Tá vazio aqui. Você pode me ouvir de longe e me achar menos fdp? menos suja? menos canalha? menos cretina? você pode imaginar que tudo isso é balela. Você pode ser umas das 5 pessoas no mundo que acredita em mim?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

.

Sei que não é o meu lugar
esse seu
sei que perco terreno
praquela ilusão
Sei que meu silêncio
está recheado com desajeito
Perco o pouco que é meu
quando te penso
....

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Ali. Onde?

Quanto mais te conheço, menos te desejo. Mais te relevo pra casa das coisas comuns, que em determinado instante impreciso não me servirão mais ( nem de muleta pra memória).

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

coisas pequenas

Uma coisa pequena. Começa sempre com uma coisa pequena, um pedaço de linha que se avoluma aos poucos e vira nó. E se enrosca até virar desenho abstrato. As emoções ficam assim perdidas no espaço, numa ora tão claras, noutras tão evasivas. Começa pequena, a sensação de perder algo que lhe era muito querido. Mas era querido mesmo? Agora olhando parecia tão inexpressivo. E não há uma marca vermelha no calendário ou no relógio que indique o momento exato em que aquilo deixou de ser.

sábado, 18 de setembro de 2010

.

Penso que por muitas vezes não vejo o óbvio. Aquilo que grita diante do meu rosto. A imaginação minha assume corpo, alma, sangue e jorra, jorra, desvanecendo a matéria em algo mais singelo. Em algo mais meu. Em algo menos decisivo. E o real, ah o real que atravesse o vidro do carro e se estatele no asfalto.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Se isso, SE aquilo, SE SE SE SE

Se... insuportável sensação de se. Sede. Inaplacável sede com um copo cheio e transbordante entre as mãos sem poder beber. Se. Coisa que martela, eu fico entrevendo entre as frestas dessa vida, as nuvens que se avolumam como corpos dentro das minhas retinas. Acumulam- se SES na minha coluna que enverga, moldando interrogação constante e sem solução. Fico entre dentes pensando que a grama do vizinho tem sempre menos pragas. Quando é tudo a mesma coisa. E fico sentindo coisas que não tem razão de ser. E outros sentem por mim coisas que não posso explicar. Mas ali, do lado, como cachorro que acaba de ver o dono após longa separação, e roda e pula e late e de repente sente os olhos do dono pesando mais para as cadeiras, poltronas e armários eu me desarmei na tristeza cabisbaixa dos tolos. Armando dentes dentro de mim pra me consumir. SE.SE. SE. SE. Milhares de se rondando como moscas varejeiras a minha vida que não sai do vidro. Que fica na zona de conforto, mas minha alma se debate. Mas o corpo se insere num desenho casual e banal. SE. SE eu tivesse peito, diria que de alguma forma amo. Que de alguma forma canalho. Que de algum jeito aceito o que desce sobre minhas mãos. Que de alguma forma me entendo imperfeita. Que SE é uma "palavra" de merda. Que se sentir "se" é um vácuo no espaço tempo. Que é perda do mesmo. Ladro, corro atrás da poeira dos carros, ladro na janela sem averiguar meus erros, e bem , pode-se pensar tudo isso como muito baixo, mas o meu SE, se ele ocorrer é tenso e visceral como a carcaça do sol no momento da morte diária.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

pensamentos imprecisos ou quando existe um tumor de calças verdes instalado na sala de jantar do seu cerébro

Fiz um desenho maior que a folha e só reparei quando não soube diferenciar sombras, terminar os contornos. Quando a mesa já estava suja de tinta.
Me inflei como um baiacu, um balão de gás hélio, e fiquei flutuando muito acima do horizonte. Era difícil ver o chão, ao cair doeu bastante. Uma queda lenta, batendo vertébras nas quinas das janelas, sentindo o peso das nuvens. Porque as minhas nuvens tem peso, elas machucam no excesso. E como tudo em mim peca pelo excesso, minhas nuvens também o fazem.
De verdade, pintei um quadro com muito mais que devia. Enchi de coisas que não posso suportar, com total franqueza tenho desejo de depor as armas que já não me servem , os amores que já são estuque. As palavras amalgamadas e mal amadas de um passado presente tão inútil. Cheia de extensas sentenças. Cheia de potes de água suja, restos de tinta, mas nunca tinta pura. Nunca o puro. Tá tudo meio perdido na bagunça das minhas ânsias. Na bagunça das minhas teias. Essas coisas que começam com tanto gás e terminam com tanta verborragia. Sangue nas retinas e estupor.
Mas coisa curiosa só eu me sinto, me removo tanto, me escavo, por fora, aparente granito, raspado de ondas, ardendo em chamas, por fora tudo parece intocado. E até mesmo o olho que parecia tão treinado, ainda resvala na projeção do granito... intocado... quando dentro é tão amórfico. É tão amor. É tão possuído de dobras e respingos. Tela pálida, dia de domingo cheio de um sol. Eu me acho demais. Eu me perco demais.
E mesmo com todos esses paradoxos e anacronismos, há quem de mim tenha saudades. E isso no fim da dor me basta. Mas a insatisfação pela carreira louca sem freio que me desvirtua ainda permanece. Uma caixa de coisas esteréis já está na beira da porta. Só basta um pé.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Quando eu, quando tu.. Quando?

Saiu do quarto, amarrotado. Pegou a garrafa de conhaque. Sentou-se perto da janela, o copo cheio, às onze e quinze da manhã. Vinha de um sonho amargo, cheio de saliva e suor. Suas palpébras ainda pesadas. Sua boca ainda inerte. O conhaque desceu como um grito agoniado. No segundo gole longo e profundo desceu como o sol pela janela, sobre a poeira, sobre seus pedaços. Ele não sabia ainda se estava alguma coisa por ela. Esforçava-se pra lembrar. Pra imaginar alguma coisa nela que fosse, sim, mas tudo era ok não sei, ok talvez. Bebeu mais um pouco, mexeu com o dedo a pedrinha de gelo que se esvaia lentamente. Não sabia se era o jeito certo de sair da multidão dos pensamentos dela, de ser alguma coisa, além de um adorável estranho,um número na agenda, uma espécie de 190 das emoções dela. Na verdade, estava louco de amor. Na verdade era sexo. Na verdade era... era.. alguma coisa estranha que ele sempre sentiu, que ele nunca sentiu. Bebeu outro gole longo e sonolento. Despertou entre os dedos o resto da poeira da sua saudade. Encheu as bordas da janela de pensamentos que sempre voltavam. Nunca chegavam. Se continha. Se mantinha nas entrelinhas mudas. Não sabia se estava alguma coisa.
Aquela conversa de amor era sempre uma incerteza. Traduzida em copos virados nas madrugadas sonhadas. Entre os dedos amortecidos, nas gotas de sangue que caiam num dado momento. Era sempre uma loucura amena. Era sempre intensa. Era a morte. Era nada. Era excesso. Ok, não sei. talvez. A janela era sujo como um copo de bar.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Arestas imperfeitas atraem

Reter. Dentro das mãos. A imagem. Entreter. Enganar a passagem do tempo. Passagem? Quanto custa? O seu retrato quanto custa? Quero deixar seu sorriso preso na parede da minha retina. Retida no relógio. Retida no peito. Batida. Acelerada. Freiada de carro quando você está. Você é. Freiada de carro as seis da tarde. Arde. Esse corte na boca. Que cospe saliva. Oliva. Cor de oliva era a sua camisa.
Prender. A mão no calor do abraço. Embaço. Pra dizer meia dúzia de bobagens. Imagens. Os seus olhos me dão imagens multicoloridas de um outro mundo. E acho que existe uma lógica ilógica na atração dos corpos. Copos. Que passam de mão em mão. Calor em explosão. Na noite fria o texto se perde numa penumbra. A sensação ilesa continua aquecendo a aresta mais avessa do coração.

sábado, 31 de julho de 2010

Folha solta sobre o assoalho

Sentiu saudade da saliva. Grossa. Atordoante. Atordoada. Que entra pelos buracos errados. Saliva intensa como tempestade. Fosso cheio de insanidades. Pensou no roçar da pele macia e morena. No amarelo do sol no corpo dela. Como uma dose cavalar de conhaque. Era suave. Entrava descrente no seu corpo. Penetrava avulsa nos pensamentos. Era uma mulher de dentes. Dotada de sutis palavras. Sentiu o peso do peito pulsando delicado nas suas mãos. A boca tensa, sem certeza se era aquilo ou algum outro erro. Se era desejo simples e nu. Era doce. Seu pêlo era doce. De linhas fartas de sentido. Era um bom sonho. Um bom gole.
Tomou mais um gole e tocou um acorde no violão antes que sua alma acordasse pro frio da janela e da manhã assentada sobre os vidros. Mas era daquele frio que se instalava doce. Não era maldoso. Mas sentiu necessidade dela. Como do seu conhaque. Do seu violão. Da manhã de domingo pra descansar o sentido....

quinta-feira, 29 de julho de 2010

cigarro solto nº56

Ficou uma névoa diante dos seus olhos. Dentro deles. Uma mancha rosada dentro das retinas. Sentiu o calor do abraço. Amarelo. Quente. Adormeceu com um pedaço de sonho entre os braços, enrolado nas cobertas, aquecendo.
Pensou em alguma forma de alívio. No abraço. No calor. Mas a solidão dela parecia mais densa que o teor do seu copo. Parecia que o corpo era pequeno pra tanto assombro.
Ficou atado à um fio de névoa....

quarta-feira, 21 de julho de 2010

....

A decepção é um sentimento avesso. Fica entalado na goela.
É coisa estúpida, tão inóspita quando a espera.
Fico matutando na noite febril se é só isso que me aguarda,
tudo que me cabe nessa vida.

domingo, 18 de julho de 2010

Pequeno contraponto

Essa reserva. Eu não entendo a razão. Quero estar perto. Quero mergulhar na onda. Mas me ausento. Me perco na armadilha das palavras. Como se houvesse um medo, uma chance de queimadura no ato da entrega. Tenho medo de você. Mas tenho uma paixão pela sua simbologia, presença, ausência, tempestade, copo e sorriso. Não entendo isso. É a primeira vez que me sinto menor. Retraída. Com vergonha da ignorância que parece exalar de mim. Comparada ao seu silêncio minha verborragia parece inútil. A minha intensidade parece teatral.
Em contraponto, escorro deliciosamente nas suas melodias, descobrindo letras, linhas, pontos, novas possibilidades que só existem no seu mundo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um pensamento acerca do sentir

Se um homem não é capaz de chorar, sentir, sofrer por um grande amor, ele não é digno do seu coração. É pedra travestida de gente. E até pedras amam a brisa. Então o que é um homem que não sofre por amor? Um moderno? Um duro? Um bruto? Não sei dizer. Só sei que sinto, sofro, me alegro com pequenas coisas desses romances cotidianos. E sinto a onda que singra meu peito com força abrindo fendas sem sangue, e às vezes sangrantes. Eu tenho amor que transborda pela ponta dos dedos, aquilo que sinto não se contém num instante, transpassa o cansaço. Mas não é por alguém em especial. Ou pode ser. É um sentimento constante que quer escapulir. Mas que faz volume, faz dor, faz riso. Me faz besta.
Mas, eu ainda não sei o que são essas pessoas que disso nada sabem. Se são pedras que andam. Se são feitas de gaze. Se são espaços imaginados. Essas pessoas que não sabem o que é o amor e renegam esse prazer e essa dor nas esquinas dos seus passados.
Acordei sentindo um pulsar. Um pensamento sobre o amor.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ida sem volta

Quando tem dores
me dobra num arco
me faz atadura
com pressa
de alma doce
e mãos duras.
Quando tem ânsia
me faz de lenço
estanco a verborragia
numa contenção de contextos.
Mas quando nada há
que assuste
afunde
apenas o eco solitário
penetra o vazio
da sua passagem.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Nº34

Uma raiva nada literária, uma sensação desmembrada, queria explodir deveras as palavras, as paredes, todas as expectativas. Essa sensação descabida não vaza, não tem honra, não tem compreensão que o tempo corre enlouquecido. E que não há mais nada que deixe espaço pro respiro. E essa droga não passa. Não passa. Queria ascender o pavio da alma e jogar ao mar todas as gavetas. Esquecer que há necessidades fora de mim. Em mim. Pra mim. Para outros.
Queria desabar num conhaque, numa morfina, num profundo esquecimento da existência. A vulgaridade das minhas palavras só deixa transparente a brutalidade das minhas emoções.
Cadeiras. Armários. Folhas. Pranchetas. Copos. Pela janela afora.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Para um amor maior ou quando um alguém não levado à sério estremece os músculos


Não sou santa. Nem canalha. Nem adjetivo nenhum que me queiram dar. Sou aquilo que o tempo lapida ou enferruja. A encruzilhada das minhas emoções. Poderia ser um milhão de outras coisas distintas. Poderia ser tantas coisas que não sei descrever. Mas não, eu não sou o que você vê. Não essa superfície barata. Quem sabe eu fosse um falcão,mas por hora escolhi galinha d’angola. Um poema, mas prefiro um Bonassi. O amor de alguma vida, mas por hora prefiro martelar com fogo as veias do meu peito. Poderia ser de muitas pessoas, mas não tenho pressa de ser de ninguém. Além de você. Porque você é feita de tantas outras coisas e poderia e é tantas outras coisas, que eu perco a conta.

Não sou perfeita. Nem feita de folhas. Tem carne, tem veia, tem seio e tem pus. Tem lágrima.Recheio. Açúcar. Conhaque e rum. Tem barbárie. Mas tem paciência. Dentro de mim, dessa cumbuca tem muita mistura. Posso ser quase tudo que existe se eu tiver vontade. Se. E você intensifica essa vontade.

Tem momentos de euforia. Quase boba. quase tensa. Escondo segredos entre as penas. Mas não quero voar com tanto peso entre as costelas. Nem com tanto prazer na cabeça. Tenho uma boca só, mas muitas pernas. Posso correr o tempo necessário pra me perder. Pra esquecer. Mas eu não quero. O que tem de bom na sua mistura, me converte em novas manhãs de sábado. O que tem de bom na sua mistura me lambuza na distância de um bom dia. Tem momento de raiva. E também de letargia. Quando aquele vazio precede a dúvida. O frio do nascimento da vida. A morte que se abate sobre os relógios. Tem lirismo do mestre Dos Anjos. Tem dor de Trakl. Tem prazer de Clarice. As vezes o egoísmo de Schielle. Mas sempre a tensão e o tesão de Neruda. Quando a corda vibra, com a nota certa, com a mão ajeitada eu canto.

O que há em mim é incondicional. É víscera sangrando. Mas por trás do meu riso impossível ver meu pranto. Palhaça de carteirinha. Brinco de malabares com minhas palavras bambas. Aquilo que sai da boca é sempre impulso. O que sai das mãos é vivo, quase puro. O que eu quero de você é mais que o gozo. Que a saliva. Quero ser um pilarzinho da sua alegria. Incondicional. Daquele sentimento avesso a razão que prefere ficar guardado delicado ou ser dosado homeopaticamente todos os dias durante todo o ato da espera, até o limbo do esquecimento plantar outra quimera ou a última morrer de solidão.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Das manhãs contidas num copo

Perdeu o olhar no horizonte. Imaginou feras metálicas entre os prédios. Um ambiente volúvel aos seus desejos, apenas aos mais íntimos. Apenas imaginou. Pendeu sobre o carpete um gole de conhaque. Preso na imaginação de algo incógnito. Queria perder seu coração numa pista de dança. Encontrava-se suscetível à intervenções de músicas. Seus desejos mudavam de lugar. De momento. De nome. De forma. Comum. Mas hoje acordou com aquele frio incômodo na barriga. Como se dentro de si houvesse um pequeno universo em expansão. Como se seu coração houvesse se tornado pequeno pra todas as coisas que caiam das gavetas. As sensações tardias. Os desejos ainda irrefreáveis. Pessoas que foram romances e que agora apenas existiam na agenda de telefone. Que ela nem se preocupa em ligar. Ruas que antes partilhavam do seu cotidiano e que agora não lembra o nome. Como era mesmo? O nome daquela bebida que ela gostava tanto? Dois anos tornam as circunstâncias mais frias. Parece que nada mudou. As roupas continuam no guarda roupa. As mesmas roupas. Os mesmos CDs empoeirados. O jeito de guardar as meias. O jeito de falar. De segurar a xícara de café. Mas porque olhando parece tão diferente? Tão distante? Porque pensar sem dramas, sem cenografias, parece tão pouco? E todo o estardalhaço parece fingido? Parece mais calmo. Parece. Parecer é um verbo engraçado. Perdeu no horizonte o fio das idéias. Pensava em tantas coisas que não articulava o pensamento numa via de mão única. Compraria um gravador. Talvez assim enxotar as idéias ainda quentes da cabeça pela boca ainda úmida. Não sabia. Parecia mais triste. Mas parecia mais leve. Parecia mais extenso. Mais calmo.
Saiu da janela. Deixou o rádio ligado. Olhando ao redor fez um apanhado do seu passado. Sem mexer um dedo, jogou um pouco mais fora. Deixou-se mais leve sobre o sofá. Pensou no poema de Drummond que sempre esteve em sua carteira. Dentro da sua agenda uma foto. Um poema. Papéis anotados ao acaso de pessoas que ela esqueceu no meio do caminho. Tantas coisas e pessoas no meio do caminho. Afinal o que define alguém especial? O que é especial? O que é essencial? Pensou no maior número de pessoas que estiveram em sua vida, velhos amigos, amantes,mestres, conhecidos ocasionais, o que definia essas pessoas como importantes ou não pra si? Depende tanto do momento. Uma série de pessoas “indispensáveis” ela nem lembrava o nome. Perdeu na memória os dias em que tudo era exaltado, marcado por proezas tolas. Por chances que existiam dentro da cabeça. Por paixões flácidas. E pensando nas suas últimas paixões ficou contente. Eram ao menos pessoas interessantes cada uma ao seu modo. Inteligentes. Belas? Aos seus olhos sim. Aos dos outros, pouco importa. Foi feliz. Teve dias ruins. Teve horas amargas. Teve horas ébrias. E algumas de ridícula sobriedade. Mas ainda assim são coisas que acontecem quando se está vivo. Deixou o rádio mais alto. Tentou encobrir seus pensamentos. Deixá-los só seus mais uma vez. Engarrafá-los como nuvens (como fazia, ou achava que fazia quando era criança). Deixou o copo sobre a mesa. Ensaiou alguns passos na sala. Deixou a música encontrar um lugar no seu corpo. Os pensamentos encontrarem o seu desvio natural. Alguém lhe disse que era necessário respeitar os silêncios da alma. Deixou que se ajeitassem as palavras do modo mais aprazível. Apenas retirou-as do seu corpo. Deixando leve. O copo sobre a mesa recebeu um filete de sol. Ficou um brilho suave sobre a mesa, reflexo cabisbaixo de uma coisa indefinida.

Das mulheres e das lembranças

Das memórias que assombram esse vazio, as mulheres tomaram forma em seus vestidos nada provocantes, em seus trajes de guerra, nas suas caras doces e duras e tensas. Das mulheres como Weigel, como Waris, Clarice. Lembranças das ruas lotadas de possibilidades no auge da descoberta, do Clube Atari. Das noites vagas sem pretensão.
Dessas mulheres fortes, que sobreviveram ao amor, à dor, que como Weigel desdobraram-se pela arte, construiram novas formas de viver a arte e o amor que ele não devolve (muitas vezes). Das mulheres como Waris, que nasceram marcadas para a desgraça, para a vida irresolutamente tardia. Mas que subiram aos céus, degrau por degrau, na certeza de serem mais que um corpo.
Das lembranças das ruas como eram antes, da Rua Itu, Do Clube Atari, do Kid Vinil nas pick ups. Das padarias, das cervejarias, dos espaços, do Belas Artes antes da reforma, das ruas calmas que cortavam a Paulista. Das manhãs pintando muros, colando stickers, fazendo arte, indo da Pinacoteca ao Tomie Othake na caminhada num domingo de sol.
Essas lembranças, esses pensamentos ficaram rondando esse meu vazio. Essa peça, esse filme, essas ruas me martelaram sobre a força das coisas, transietoriedade dos espaços, da finitude das lembranças. Da dureza das mulheres que se recobrem de ferro para não serem mutiladas, que aceitam as amantes de seus dramaturgos em prol de uma arte maior. Das ruas que eram cheias de meninas que olhavam meninas, dos bares que existiam e consumiam um ano inteiro de festas de aniversário e sorrisos. E que agora não existem mais. Parece que a minha amada cidade ficou mais estéril, perde gotas de sangue na sua noite densa. Parece saudosista, mas sinto falta das ruas cheias daquelas pessoas que eram diferentes, que hoje são arquitetos, dramaturgas, professoras, artistas, engenheiras, estilistas, modelos, atrizes. Daquelas pessoas que discutiam filosofia rica e filosofia de conhaque. Senti falta daquelas ruas cheias de vida da minha vida de tempos atrás.
Aquelas mulheres me fizeram pensar que ser mulher é sempre mais denso, exige mais força, mais paixão e mais loucura do que qualquer outra coisa.
E as minhas lembranças tem preechido aquele vazio solitário que ardia tão intenso, talvez as gavetas caiam e algo saia.
A peça: Determinadas pessoas - Weigel ( com Esther Goes, direção de Ariel Borghi)
O filme: A flor do deserto ( 2009) sobre Waris Dirie

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Consumação

Acúmulo. De palavras. De não sentimentos. De papéis de bala. De sacos de açúcar. De garrafas de Domecq gold. De espaços pequenos. De colunas entortadas. De olhos na multidão. De poemas lavrados na madrugada. De bocas lacônicas. De espelhos sem reflexos. De mulheres. De homens. De sonhos. De fomes. De preocupações. De indecisões. De saltos altos batendo no assoalho. De solas comidas pelo asfalto. De copos. De despedidas. De tentativas. De sorrisos. De silêncios. De estranhamentos. De fugas. De colisões frontais. De horas consumidas no ócio. De olhares consumidos no sonho. A consumação é grande. A sede é grande (de preencher esse vazio que fisga os músculos).

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Perdido por aí...de novo

Vem como música. Um tanto cheia de possibilidades, um tanto vazia. Folhas limpas, não tocadas pelas linhas. Manhosas espreguiçam-se sobre a mesa, mas a poeira se deita ao lado e por cima. Faz eclipse. Não há linhas. Nem toque. Nem sequer poesia da mais barata. Nem conhaque do mais esquivo. Há apenas um vazio. Algo que pode ser traduzido com um não sentimento, se é que existe isso.
Encontro paredes onde não havia nada e encontro nada onde havia sombras.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Perdido por aí

Tensionado. Como corda de forca, músculo da boca. Ardendo, corte fresco na pele. Assim amuado grito escondido entre os molares, irregulares pensamentos dentados, assimilados na mastigação dos dias. E aquela sensação corrediça. E aquela temporalidade movediça. Aquele quereres ausentado de si toda a força e toda a fome e jogando no espaço toda a flecha e todo trinco.

domingo, 20 de junho de 2010

s/t

Entre a loucura e a incerteza
um leve fio de desapego
quando o coração grita sem boca
Ali, na noite semi deserta
o olho crestado de linhas castanhas
ardeu num uivo.
Descrentemente passando pelo respiro
do abraço alcoolizado

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Cigarro solto na boca nº15

Percebe a diferença entre a sua textura e a minha linha. Achei que ambas sorriam no mesmo espaço. Mas diferem em muito quando postas à luz. A tua fica rígida enquanto a minha se desmancha. Ainda fica grossa a sombra que recobre os dias. Mesmo que a boca deseje romper as amarras que lhe prendem, o silêncio emerge como solução. Como um puma que vaga pela área aberta da noite, solitário, entre galhos de Segall, fico incerto sobre como caminhar por esta rua. Que atende pelo seu nome. Pela ausência que desfaz a espera (e que por vezes a refaz mais bruta). Espera de que? Que se espera da noite? A lua não encanta, nem decifra segredos. Não traz à tona os sufocos do peito, tão pouco os montros dos filmes da infância.
Perto da sua letra, a minha é rude. Perto do seu par de avelãs, os meus são névoa. Estranho que pense nisso, apoiado na janela, corpo regelado, na espera de uma resposta. De alguma coisa nova, que irrompa do meio dos prédios e das estrelas, transpasse a carne com a doçura de uma nova paixão e a certeza de um novo invento. No vento fico procurando resquícios dos passos. Em tão pouco tempo todo o tempo ficou errado. E perto ainda das suas mãos, as minhas são serralherias. Meus copos de vodka parecem pobres, o que me preenche parece pouco, serragem. Pra alguns satisfaz, pro seu forro, nem chega a ser estuque. A meu corpo é pintado de cal por fora, ríspido, vulgar, parece baixo. Por dentro, cheio de gavetas, de letreiros, de desenhos...de pequenos labirintos, portas. Já não sei. O que me aflige é a certeza de ter dado um tiro no pé. Um tiro no ar e acertado um pássaro indefeso. Ter singrado o horizonte de pólvora sem necessidade.
Trago a camisa aberta.. deixo no peito um pouco de vento, na boca ainda aceso o álcool e a nicotina. Os dedos amarelecidos e ainda um pouco esbranquiçados. Talvez se eu escrever até o cansaço chegar eu pare de pedir desculpas por existir. Ao fundo a chaleira explode em fumaça...o café talvez me traga a lucidez, ou ao menos a calmaria necessária pra viver dentro de mim.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um pedaço do sol preso na vidraça

Eu não aguento. É mais forte que minhas mãos, meus medos, meus anseios. É mais tenso que o ferro quente dobrado na máquina. Eu tenho essa sede que não consigo aplacar. Esse fogo que não para de queimar. Essa vontade de explodir e deixar meus fragmentos pelo ar. De me espalhar por narinas, espaços, seios, pássaros, paredes, necróterios, sorrisos, infernos. Por todos os lugares. Eu tenho essa coisa dentro de mim que não quer acalmar, essa insatisfação de querer e não ter. De tentar transformar o espaço. Os seus abraços. Os meus olhares em cartazes. Eu deixo as minhas linhas na porta da sua casa, deixo apenas tênues mesuras de cabeça, minhas mãos nuas explodindo de paixão. Sem ter vazão. Apenas corpos passando por mim sem reter a saliva. Apenas palavras me corroendo como ratos. Esse desejo constante de mudar o rosto que me agride, essa ânsia por deixar a loucura que me habita correr pela rua sem aviso. Está tudo tão represado aqui dentro. Escorre pelos meus olhos mudos, pela minha procura, pela minha raiva inventada. Pelas palavras acres recheadas de pedidos de desculpas. De coisas cheias de outras coisas. Eu nem mesmo quero ouvir essa sensação que fica oscilando aqui dentro. Por vezes quase prenso na parede os seus olhos pra me por dentro das suas retinas. Por outras me ponho nas sombras dos seus sapatos, em noutras nem sequer lembro de que havia alguém. Descobri um ponto em comum entre nós, a obsessão. Perversa, adorada, sensorial. Mas a mim já bastava o que eu tinha e que por uma bobagem se perdeu. Se perdeu? Eu não sei. E essa dúvida ( que você insiste em não retirar de mim) fica me doendo a cabeça. Mas não aquela dor que paralisa, mas aquela que come o sorriso pela beira.
Eu vou explodir como um sol um dia desses, me queimar e me devastar no meu mundo, dentro do amor que se encarrega de me adormecer e me acordar com doses fartas de megalomania em alguns momentos. E mesmo assim, a loucura desses atos e desse meu jeito, não é nada. Não é amor. Não é algo físico específico, é uma coisa estranha, uma admiração. Uma coisa que não tem nome no dicionário. ...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cigarro solto nº 12

Mãos duras tateando no escuro da noite. Conversa fiada e banal. Coisas que se houve no bar. Na cozinha. Na sala de espera do dentista. Poética barata. Mas as mãos estavam tensas, a dureza era de alma e não só de frio. Falava empolado pra esconder a ignorância. Ria demais pra não falar asneiras. Cada hora se sentia mais fantasmagórico. "Que bobagem" diziam ao seu redor. Mas ele se sentia mais aparte de tudo que antes o formava, ou que ele achou que formava. Ao seu redor sentia apenas um grande vazio. Um copo vazio. Um corpo vazio. Ardendo de palavras e pequenos anseios que não sabia responder.
Encostou por acaso a boca na ponta do lábio dela, ficou assim, numa maciez de segundos. Uma máciez roubada. Havia tristeza nos seus olhos e uma certa indignação. O acaso mais uma vez lembrava como era solitário ao seu lado. A sua frente. Às suas costas.
As mãos rijas, estátua contemporânea de um corpo sem frutos. Amores nulos o percorriam como formigas. Dentro das suas calças, camisas, meias, sapatos. Apenas uma coisa mole e folgada balançava dentro de si. Sentia-se solto, mas não liberto. Livro aberto com siglas em todas as páginas.
Deixou um pouco mais a lembrança do abraço sensato, dos braços que pouco a pouco o enlaçaram, sem força, sem manejo, assim arquejando, o peito ficou miúdo. Não era nada demais. Apenas um daqueles momentos em que o corpo fica vidraça e qualquer vento transpassa e racha. Mas ali ficou aninhado, num horizonte macio, sem trejeito. Era vazio ao seu lado. E suas mãos eram frias como gelo.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Poema degenerado nº4

Intensificado o degelo
corre entre as retinas
a saliva não impressa em teus nervos.

Na flora seca das avenidas
cheias de carbonos, carbonetos
resisti um soneto de larvas
e lantejoulas
misto de querer estar
e querer partir.

A força bruta do meu peito
arromba
a letra degelada
e dentro das minhas formas
uma cascata se move
em uníssono
grito
pela rua afora
sem desgosto.

Atrás das cordas vocais
cansadas e rubras
ficou a sombra do teu nome
agora oco.

Findado o degelo das retinas
fica espaço vago
para outras feridas.

domingo, 6 de junho de 2010

Poema degenerado nº 3

Cansei-me do teu laconismo
da tua febre rude que transpassa
as tentativas vidraças
do meu senso de espera.
Dancei confome a tua aspereza
deitei sobre a mesa
as minhas mensagens
deixo que agora o vento refresque
e leve pra dentro novamente
o que não te carece.
O passado que morra de si mesmo
que se mate em mordidas esvaziadas
eu já não quero esmurrar teus vidros
já não almejo tuas migalhas
por dentro me dói ser vencido
e ainda assim gasto letras na tua palma roxa
e gasto letras pra tua alma dura
e mesmo assim me comovo
com a tua envergadura de alma
...

és sem querer algo de bendito


[se não houvesse algo de imediato e magnético seria apenas mais uma letra no alfabeto...]

Cigarro solto e molhado nº10

Indiscútivel. Foi a forma que pude compreender o verbo dela sobre mim. Era imutável. Não questionável. Ela não queria que eu fosse qualquer coisa além de mais alguém na lista de emails. E eu, na constante insistência de uma frincha perdi as mãos tateando suas paredes. Em si tão grossas, duras e impenetráveis. Abateu-se sobre meu riso uma certa tristeza por uma derrota já declarada. Um sentimento de partida sem regresso. Na verdade nem chegar, nem aproximar. Vendo meus atos não conjuro erros, pra ela deixei um pouco do meu lado mais paciente, não digo doce, porque a doçura depende de um querer. Mas tentei transparecer um pouco. Talvez meu pouco impulsivo. Talvez meu muito de esquizofrênico. Talvez o pueril...talvez não tenha sido o jeito certo. O lado certo,mas agora pouco importa.
Inútil é tentar perseguir borboletas mesmo, elas fogem. Mas também inútil é esticar a mão. Arredia como é. Convem-me ficar quieto.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Solto e frio nº 9

Chuva doce e fria. Intensa. Queda por entre os telhados, infiltrando-se nas almas insones. Nas xícaras de café gelado. Nas sobras de pizza sobre a mesa. Nas letras amarfanhadas dentro dos bolsos. Lava as calçadas de seus vômitos, mijos, jatos de sonho, esperma e sentenças quebradas. Deixa no espaço apenas o som e o odor de sua presença. E deixa em mim um pouco mais de carinho. E deixa em mim um pouco menos de espera. Talvez um pensamento não concluído. No meio do caminho a certeza de que ao mirante eu não chego nessa noite, não verei a cidade de cima, ao lado das estrelas, talvez a veja de lado e de longe, apoiada no beiral de uma janela de esguelha.

Cigarro solto nº8

Não era o bastante. Por mais que a visse por trás do box esfumaçado e a ouvisse cantar belas melodias e recobrisse a memória com algo de intenso, não era o bastante. O carinho ao cortar as cebolas, o jeito tenso de fumar compulsivamente. O pentear os cabelos ainda úmidos do vapor quente do chuveiro. Não era o bastante para lhe trazer o amor aos olhos. E nessa impossibilidade sentia-se vazia. E ainda que pensasse nisso, sentia-se alheia ao ouvi-la cantar e tinha a cabeça noutra parte.
E por vezes escolhia o lado triste e solitário das coisas.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Poema degenerado pelo frio nº2

Solo
cantado em solo
ardendo em polos
opostos
o vento corta o rosto
em dobras
e faz das mãos
portas
para toda a ansiedade
que impede o riso
Em meio aos deslizes
em meio a tanta retórica
eu hoje nada faço
senão deitar-me em letras
forrar-me delas
vomita-las
agredi-las
usurpa-las

e eu que não sou de letras
caio num resquício
e eu que não sou de perdas
delineio precipícios

Não me cansa o ritmo da caça
cansa-me a inconstância
as letras fogem, sobem
se matam
dentro da minha cabeça

Solo
num solo
de baixo
me desmancho
no frio das mãos
os calos
da saudade adulterada
e do amor expandido
pela cidade cinza e enevoada.

Poema degenerado pelo frio

Dentro o batimento. Quem sabe não veja.
Nem seja possível.
Aqui no atropelo, meio invisível
fica tóxico, estático perigo.
Denigre
o silêncio que me emponho
mas na cara rota de manhãs a olhar-te
bem sabes no que gasto meus olhos
e bem sabes que nadas tem com isso.
Que gasto meus olhos por pura tolice
que encontro motivos pra distância
e cultivo
rabanetes venenosos no meu prato.
Engulo a saliva
crio abismos
no calor do meu corpo
que queria ser seu
nas mãos que ansiavam
por dormir nas suas
e ainda tolas, requebram
no meneio de um adeus sem resposta.
Bem sabes que o meu lar é dos idiotas
que acreditam no amar
como força motriz da vida
e intensos querem ladrar
pelas janelas sem ouvidos
ao ridículo


Se de nada disso sabes
tenho imerso em mim
o calor de um inferno que é teu
de uma boca que te delineia
e de uma espera silenciosa entre os escombros
Sou toda de amor
embora nem em sonho diga que amo.

Solto nº 7

- Há se fosse assim eu parava de fumar! Deixava o cigarro dentro do bar, ainda fechado no plástico. Se fosse fácil assim, você fala, porque não sabe, porque não sabe da história uma vírgula...
- Mas nem teve história criatura!
- Não teve tua fuça! o jeito que ele olhou pra mim pedindo um murro bem no meio do queixo!! ah se pediu...
- Tá falando do que??? Você nem chegou perto dele...
- falei que ele pediu, não falei que acertei, se vocês não me segurassem....nossa...ia voar dente!
-...você só ficou parado olhando...
- vou no banheiro
- tss garçom mais um conhaque com mel.
( no banheiro)
- deixa ele ver se eu não acerto...se não tivesse tão frio eu quebrava o queixo dele...
tamborilando no azulejo amarelado do banheiro
- caramba...porra...SERÁ QUE VOCÊ NÃO PERCEBE QUE EU FICO DANDO VOLTAS TENTANDO CHEGAR PERTO? QUERENDO SABER PORQUE SÓ VOCÊ ME TIRA DO SÉRIO???CARALHO, CARALHO, CARALHO!
(de volta à mesa)
- velho... que gritaria foi aquela? tava falando com a privada?
- nada..
- tava fazendo declaração de amor pra privada? para de beber...
- eu só tava pensando porque ela escolheu aquele imbecil..
- para de pensar nisso, desencana cacete...toma o seu conhaque vai..
- ah você não sabe da história...
- Blá, bobagem! nunca vi ninguém ficar tão puto por um programa de TV!
- mas..mas eu escrevi as cartas, mandei emails, fiquei do lado dela, ri das piadas bestas dela, até aguentei a TPM dela!! porra custava me convidar pra ser o ator principal??
- uahauhauahua ema ema ema
- AH! não custava nada! o que aquele momgoloíde tem que eu não tenho?
- na boa? além de uma cara dez vez mais bonita que a sua, ele não é tão chato rs e ninguém te disse que paparicar a produtora ia adiantar alguma coisa, você não leva o menor jeito pra Don Juan..
- Merda!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Solto nº2

Há coisas que a força não vence. Os argumentos não cabem. Nem mesmo o refúgio do corpo moldado revela. Tem coisas que precisam ser esquecidas. Admitir a perda. Deixo que o vento frio leve uma série de inquietações, alusões. Pensamentos equivocados demais. Em espaços de tempo curtos demais. Há coisas que o olhar não penetra. A retina não decifra. Verbos de ação que no fim residem inertes na língua, apenas verbos, nunca concretos.
Por um minuto pensei na utilidade do tempo, na experiência da dor e do silêncio. Tem coisas que realmente não podem ser vistas, que dirá compreendidas por um olho qualquer.

domingo, 30 de maio de 2010

Balada da noite invisível (fragmento)

As ruas estavam vazias. Apenas faróis de carros. Janelas indiscretas. E quem sabe alguns cigarros pontuavam o caminho até o metrô. Que com certeza estaria fechado. Mesmo assim continuou, não havia pressa de chegar em casa, dava voltas no quarteirão escuro, divertindo-se em achar as sombras dessa ou daquela pessoa, que ocultava atrás de um poste um roubo, uma masturbação, um beijo ou simplesmente a relação dolorosa com o vazio que a noite perpetrava. Deixava os pés tocarem carcaças de coisas, restos de canetas, hot dogs, cachorros friorentos, camisas, cigarros, poças d'água. Seu próprio corpo era uma carcaça vagando sem rumo exato. Apenas descolado da paisagem por se mover. De resto era sombra, densa e árida.
- que merda de noite... Não fico assim a tanto tempo, com vergonha de existir, alias, com essa sensação de não existir, de ser meio invisível, como o são os ratos, os trapos e as moscas. Mas eu tentei, deixar meu corpo móvel em algum lugar, mas não deu certo. Continuei deslocado, sem pertencer e agora, deslocado por deslocado eu me movo...
Do alto dos apartamentos, sons efusivos, pequenas festas, ranhuras de pele, a existência pedindo passagem. Sentiu-se um voyeur, a merda de voyeur ali naquelas ruas. E a vida onda estaria a sua vida? Em que buraco ele a enfiou? Chutou mais um ou dois pedaços de hanburguer. O metrô montou-se a sua frente, impassivelmente hermético.
- previsível... como tudo hoje. Sério, eu sabia como a coisa se daria do início ao fim. Mesmo. Sabia que ele ia ficar estático na minha frente. Sabia que não haveria tempo pra palavras. E que no fundo ninguém ligaria. Ninguém me veria. A cerveja depois foi pretexto.
Deu a volta no quarteirão, o caminho seria três vezes mais demorado, mais escuro, mais sujo e mais agradável. Ninguém estaria na rua além dele, dos gatos, sua sombra e dois ou três devassos. Era conformado. Um cara conformado com a derrota. Quando não ouviam o que tinha a dizer, mesmo tendo voz forte e alta. Ou quando ignoravam seu corpo no acúmulo do esbarro. Improvisado contato imediato sem grau. Tenso. Tenso. Sua vida era uma bosta. Aquele cara era uma bosta.
- Nem gritou. Nem pediu. Peidou. De medo. De arrogância. Tirou sarro da minha cara. Essa rua cheira melhor. Quando eu apontei o 38 na cara dele...foi seco. Sem graça. Sem riso. Espirrou na camisa. Tipo molho de tomate...e depois. O bar. O bar. E eu era menos que o tampo da mesa. Menos perceptível que ..que..sei lá... a porra da vagabunda varizenta...ela tinha mais sorrisos do que eu...eu me senti um idiota. Eu tinha acabado de apagar um mané, tinha um 38 no bolso e fiquei ali sentado numa mesa de bar de oitava categoria, tentando me enturmar com os amigos dela...
Aquela rua era longa. Sórdida. Cheia de entrelaçamentos viscerais adormecidos.
-...e eu tenho a merda de um 38 no bolso....

sábado, 29 de maio de 2010

Dias de karaokê

Não sei o que exatamente passa pela cabeça, confesso há um que de alcóol aqui dentro. Um "q" de ciúme. E talvez uma proposição. Não sei o que se passa dentro da cabeça alheia, mas pra mim é mais que corpo, mais que saliva, é ter prazer na companhia, em aguentar os arrombos de exaltação, é querer apenas estar perto. Apenas ficar ali imóvel. Apenas entender a necessidade do silêncio ou de outra companhia. Querer gostar da sua presença, do seu riso, do seu sotaque, mesmo sabendo que esteticamente eu seja comparável a um mercenário. Apenas apesar de tudo ficar ali ouvindo textos, debatendo idéias, trocando cores, estando vivo, assim no gerúndio mesmo, ficar ali trocando estéticas, períodos compostos, textos, monólogos. Descobrindo o quanto de mim existe nas entrelinhas, o quanto da letra existe nas figuras.
É engraçado, como apesar do Não, eu gosto de existir.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Entre as linhas e os pontos uma mão

Guardado na gaveta ele morre. A cor esmorece. As linhas se dissolvem. Todo o sentido da criação escoa na prateileira, amorterce a tensão, deixa flácida a intenção. Morre. Um desenho dentro da gaveta é triste. Ele sofre porque vive apenas para os olhos do seu criador. As palavras da mesma forma, que borbulham na veia de modo tão intenso que sufocam-se de amor, morrem se acometidas pela mão pesada do seu criador. Se apenas guardadas para seus olhos fazem sentido. O texto, o ponto, a linha, a gramática poética só tem sentido se toca a mão de outrem, o coração, a pele, a carne, qualquer parte, de outrem. Se recebem lábios, significações e desejos conspirados de outrem. O meu teatro sobrevive de linhas vivas, que sempre se modificam e se transformam na pele. Saem dos meus poros, as linhas vigorosas ou leves, e permeiam no olho do outrem a sua imagem semi acabada. Mas acabada é palavra inexata quando se fala ao coração. E se as linhas não puderem chegar ao átrio, ao sangue de que valem? Se aquilo que eu aspiro está sempre fora de mim. Se aquilo que eu sinto , transporto pra fora, no simples ato de não morrer. Porque a paixão dentro de mim, sufoca as vezes. Marca a pele de modo intenso. Deixa vergões. Essa paixão move meus pés, mãos, meneios de cabeça. A criação em si move minha cabeça. E o meu peito já dotado de fúria natural procura a catarse. Procura na imagem o estopim da minha amada loucura. Do meu devaneio apaixonado, e por vezes da minha dor. Essa minha aversão ao quadrado da gaveta me vale mal entendidos. Essa aversão ao fechado e ao medo ( que sim me domina em horas furtivas do dia) me compõe toda manhã. Se agora já não sinto aquele pulso acelerado é porque não manejo o lápis. Não manejo a real arma do meu peito. Sinto-me desarmada.
E se em algum momento colocares o que é meu, essa parte que é minha na sua gaveta, saibas que vai me matar. Não digo pra expor em bandeirola, mas pra simplesmente deixar viver. Dentro das suas palavras e das minhas linhas o sentimento vivo, obssessivo e opressor e lento, tem que suportar mais que a amarração que empomos, tem que suportar mais que os olhos alheios, tem quer ser mais que a saliva do criador, pra ser um pássaro fora do horizonte. Além do horizonte. No caminho da Lua.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Pequenas folhas sobre o peito

"Havia um tempo em que eu vivia um sentimento quase infantil. Havia o medo e a timidez todo um lado que você nunca viu..."
tocando no rádio. Ao lado do cinzeiro. Cheio de bitucas. Espaços de tempo esquecidos entre os ponteiros de um relógio imaginário. Havia algo dentro dele que não se movia. Houve por um segundo um espasmo. ( ontem, hoje, pela manhã?) Ela havia visto algo nele. Talvez lido nas suas entrelinhas alguma piada, algum sarcasmo, que no fundo de tudo era menos que uma insegurança, mais que um desejo. Equiparado apenas ao silêncio. Dentro da sua boca fendida por palavras inquietas, por datas e números de telefone, tentou manter a aparente calma. Mas a verdade é que ele estava calmo. O pouco que havia dela em si era bom. Não havia de perder aquela pequena conquista. Tragou mais uma vez. Ou duas. Tomou um gole de conhaque. Suspirou. Abriu a janela sem se mover da poltrona. Porque estava sentado, perto da janela, entre o cinzeiro e o rádio. Deixou a música nostálgica entrar pelos seus ouvidos, incorporar-se na pele. Ficou ali parado. Horas. Minutos. Instantes? Deixou apenas os olhos fechados. Por muitas vezes desejava ser menos que um homem, menos que a mobília que habitava, menos que o cinzeiro e as bitucas, mas sempre seria mais que isso. Pelo simples fato de sentir. Embora, como hoje, se sentisse menos. E nesse sentir, queria ser. Apenas um pedaço de asfalto. Um teco de camisa. Um resto de aguardente. Um pouco de querosene.

domingo, 23 de maio de 2010

Quando só um soco direto no queixo ajeita os dentes

Tentar é um verbo, é uma ação. É não manter-se impotente diante de um músculo que tensionado ama, odeia e retorna ao seu estado natural. E mesmo cheio de uma dor latente, poque o pobre se doa tão rápido, tão intenso (teria fogo pra dois infernos e uma chaleira no céu), e se perde na galáxia fria tão rápido. Sempre tão rápido. Sempre e nunca. Deve haver algo de terrivelmente errado nesse corpo, nessa alma, nesse peito de merda, que difamado, mesmo quando elogiado, se sente mendigo, o pior dos bêbados, o maior dos tolos. O punheiro na sala de jantar. O masturbador de crianças. Se sente impotente. Tentar é um verbo. Uma hemorragia.
Quando o sonho era tão doce, e te parecia tão próximo. Próximo. Só se for dentro dessa imaginação. A realidade jogou uma pedra na janela e disse " Hey acorda, olha direito, não é nada disso, você com certeza é um bendito zero a esquerda e ela tem mais o que fazer". Realmente deve haver alguém que mantenha aquele coração aquecido. Tentar é uma merda. Mas necessária. Tentar é o que mantém o coração difamado, ainda atento nos versos de Augusto.
Tentar é o que eu não quero mais, quero voltar a ser um zumbi. Voltar a ter corpos como quem tem galhos nas mãos. Sem destino. Sem decência. Porque depois de muito tempo, ela foi a única que fez algo se mover dentro dessa casca. E mesmo assim.... tentar é uma desculpa. Tentar é viver. E isso é muito auto ajuda. Muito auto comiserativo. E eu não preciso disso. Doi. Doi. Um bocado. A recusa é uma vergonha. A recusa me deixa doente. Mas tentar é inevitável. É cortar a mão várias vezes por dia. É mutilação de sensações. É se abrir e se deixar invadir pra alguém te deixar a deriva. Tentar é tudo que eu NÃO deveria ter feito e Só o que me cabia. Antes isso que a aparência flácida da imaginação apaixonada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Roxo e azul

Uma sensação perdida entre os dedos, como um pedaço de sonho entre os olhos ao acordar. Fica nos lábios uma palavra inaudível. Algo que não se reconhece de imediato. Ato. Estranho. Intenso. Metafórico. Erótico. Oco. Paradoxal. Roxo. Azul.
Uma alegria meio besta, de paulista. Típica nos dias de chuva. Sensual sem ser retina. Fico na espera. Percebe a linha? Eu traço retas nas curvas que imagino. Solitário. Mas eu gosto do gosto que o vento deixa na boca quando passa no meio de um respiro, suspiro. Qual era o nome? Não, sei, bombeia sangue. Bombeia sonho. Num dia triste, noutro Balzac. Sem explicações para o acaso que mora nas minhas linhas, sem tempo pra reconstituir os passos da Lua até o chão quente feito de asfalto, gotas de alcool, beijos salivados e invasões silenciosas de corpos. Para os livros sonhados cheios de páginas desenhadas, incabandas, esboçadas de olhos, bocas, quadrados de pele nua, palavras vivas e transpirantes. Ontem eu imaginei um mar de cimento pras minhas sensações, mas algo vivo sapateou dentro das minhas veias, linhas envolventes. Uma mulher pode ser muito mais que apenas uma mascara de beleza, dura e esmaecida. Na linha que te torna bela existe uma linha paralela que me torna viva. E no processo de troca de desejos ocultos, vive um prazer calado que não fica fisíco nem explícito, mas ainda assim quente. Roxo. Vermelho.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Se for embora e resolver me deixar a deriva, deixe a porta encostada. Não a feche totalmente, não custa nada permitir uma frincha de luz na escuridão da sala. Não se preocupe em apagar as marcas das paredes, seus vestígios do teclado, do telefone ou da mesa da cozinha. Deixe algo que me lembre que você existe. Não me deixe assim sem nada, avulsa, aberta na noite. Não permita que eu me prostitua em conversas fiadas em noites sem fim, nem que eu me dilua em copos e bocas e roupas e números de telefone, que bem da verdade, não me interessam. Esse sentimento bandido que me afasta do real objetivo da letra, da minha existência enquanto viciada. A necessidade de te sentir pra viver. De te respirar pra produzir, me subdividir...
...Aonde raios foi parar meu tesão? E com ele onde foi meu alívio? No momento não há paixão calcinando meus ossos.

Dois copos e um celular tocando

Cobranças de todos os lados. Sentimentais. Viscerais. De horário. De postura. "Fulano está chateado com você". " Beltrano ficou puto porque você sumiu"."Você prometeu tal coisa e não fez". De certo que não sou um anjo e tenho parcela de culpa, mas a minha natureza não permite essa invasão do meu tempo. Esse querer-me o tempo todo. Não quero ser de ninguém dessa forma nem pertencer à rotinas. Sejam elas de trabalho, de sexo, de amigos. Quero a minha ilha, o meu pequeno pedaço de asfalto, de cheiro de chuva pela manhã. Um pouco de cerveja pra amenizar a solidão. E só. Sem classe, mistério ou desculpas. Se não estiver apaixonada pelo corpo, pela folha de papel, pela idéia não adianta. Por obrigação enrolo. Não faço. Faço feio. O profissionalismo vai ladeira abaixo, porque o meu é motivado por paixão. É preciso queimar, eu preciso sentir correr na veia. Se não corre, estatela e morre na parede. De cara. E ultimamente aquilo que tem tomado grande parte do meu tempo são coisas amenas, sem desejo. Apenas uma ou duas coisas me fazem dormir tarde pra pensar naquilo, me fazem não dormir. Algumas pessoas mexem com meu corpo mas não com meu coração. E outra com o coração, mas ai, é outra história. É outra mesa de bar, outro conto não linear.
Tenho vontade de satisfazer a todos, dar o que tanto querem de mim, pra que simplesmente parem de me torrar. Pra que fiquem felizes e me deixem no meu canto. Mas pra variar sou sincera demais. Me desgasto demais com tentativas de concertar manhãs alheias e deixo as minhas empoeiradas. Pra variar existe um paradoxo entre ficar só e desnudar o mundo pra construi-lo diferente.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Breve percurso da Consolação à Pça. Roosevelt

Sentir-se atraído por alguém é o mesmo que acionar uma bomba relógio atada à goela. A sensação é a mesma. Impossível. Frustrante. Deliciosa. Por mais que pontas de dor existam, as dobras de prazer transpassam. E mesmo que a explosão seja inevitável, ela trás dentro de si uma quantidade enorme de rostos, mãos, palavras, anseios e copos.
Deixou que a sensação se internalizasse.
Ele deixou mais que duas palavras sobre o criado mudo. Mais que uma vontade. Deixou ali uma parte doce da sua palma, uma manhã pra ficar na memória, simplesmente um dia na sua imaginação. Rabicou. Rabiscou. Reescreveu. Amassou. E deixou dentro do lixo todas as cinco linhas que tendiam a denuncia-lo. Ficou livre dos seus amores, deixou que seus vinte e cinco paragráfos fossem preeenchidos por tabelas, relatórios, manhãs com rostos novos, velhos, fotografias aleatórias. Deixou dentro daquele lixo alguma coisa de si.
Ela nem mesmo respirou. Ficou parada atrás da porta. Na ponta dos pés. Silênciosa.
Dentro, pulsando, repirando solto, como se houvesse um imenso horizonte rosado a sua frente. Livre de qualquer gaiola. Respirando rápido. Deixando um passo de cada vez preso na sombra do chão. Entre as linhas do asfalto.
E no fim do dia, nada ocorreu além do esperado. Ele ao lado do telefone, submerso em copos de café. Ela em algum lugar distante. O lixo cheio de resquícios emocionais. E o peito amarfanhado sem respostas para as noites terrivelmente iguais.

Na distância de uma lance de escada ou dois ou mais

Escrevi uma série de tentativas. Por vezes furtivas. Noutras descaradas. Algumas me escaparam aos olhos. Mas nas suas letras eu fico imersa, mesmo no silêncio. Na distância muito maior que dois lances de escada. E desde o primeiro dia, quando minha retina esbarrou na linha que te forma, poucas outras tomaram importância. Uma ansiedade me prende, uma felicidade infantil, uma prévia de desejo. Ali, encostada na pilastra que separa o corredor do pátio, linda, simplesmente linda. Sem precisar de esforço, sem precisar de palavras. Ele deu um pulo, parece folhetim de terceira categoria, mas ele deu um pulo, as gavetinhas foram todas desorganizadas dentro desse peito curioso. E ele tem ficado a espera, sem saber se corre, grita, se joga de vez ou se retraí num silêncio de aparente indiferença.
E quando acho que toda essa maré vai desembocar num céu constelado, encontro detalhes que deixam claro uma impossibilidade. Um roteiro de cinema ruim e convencional. Que posso fazer além de esperar? Até um fim não declarado me acertar direto no queixo. Entre um e outro corpo me distancio, na fria tentativa de não pensar em você. Que posso fazer?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os dias estacionados [na vaga para deficientes] de um homem ridículo


Ninguém tem nada a ver com a dor de coluna. Se ele some por uma semana ou mais e aparece como um fantasma num determinado dia cobrando preocupações. Ninguém tem nada a ver com sua fuga de toda e qualquer responsabilidade. Com a sua fuga do mundo que quer acolhe-lo entre suas engrenagens. Ninguém tem nada a ver com seus julgamentos, seus excrementos verbais nas horas alcoólicas. Nos seus silêncios sem nada para dizer de útil quando as conversar surgem a todo vapor. Ninguém tem nada com isso. Se ele é a merda de um depressivo depreciativo, um animal sentimental que corroi as próprias tripas na busca de um consolo. Ninguém tem nada com as suas letras retorcidas, os seus apelos mudos por colo. Ninguém tem nada que melhorar a primeira imagem que fez dele. Ninguém
E
Esse ninguém é que tira suas noites de sono, suas forças mundanas que acabam em masturbações irreais com pessoas que nunca o viram com possibilidades incapazes de existir pela simples inércia do sonhador. A mascara da vítima ficou colada a sua face como se fosse sua sempre. Era uma brincadeira. Era uma defesa. Virou um hábito. E hoje ele pode se considerar apenas uma sombra de tudo que poderia ter sido. E cada hora que passa se torna mais tarde e longínqua a mudança. Ele já não quer. O corpo acostumou-se a posição parasitária.
Ninguém tem nada a ver com a idéia de por uma bala na cabeça e deixar os respingos de sangue mancharem a parede branca, que nem é tão branca, é cheia de marcas de gordura de seus dedos, que na busca por uma fuga a percorreram fugazmente. Mas quem em sã consciência imaginaria dele todas essas impressões? Quem? Se das raras vezes que o viam ele parecia tão seguro, tão cheio de compromissos, tão cheio de palavras, datas horários, pessoas e números de telefone. Quem poderia imaginar que ele passava o dia inteiro trancado dentro de casa, nas paredes suburbanas da sua casa, ardendo entre sonhos de lugares comuns, com coisas que as pessoas comuns tinham. Com coisas que ele teria se saísse da inércia. Quem?
Perceberia que por trás de toda a afetação existia uma solidão inabalada, que nem poderia caber num corpo tão mirrado. Que haviam sonhos tão grandes que a saliva se extinguiria na metade deles. Quem saberia de toda essa fauna de extremos, pesadelos e paixão se na sua face nada estava escrito e ao seu redor havia um pântano de pequenas intrigas e um invisível arame farpado?

terça-feira, 30 de março de 2010

BLACK BOX II

Meu peito as vezes não se contenta em bater, ele queria um pouco mais, uma vaga noção de existir, que parece só ocorrer quando dois olhos azuis surgem do nevoeiro. Ultimamente tem sido assim, as folhas de papel sobre a mesa, a cabeça distante numa incerteza. Meu coração é uma caixa preta sem cena, no escuro do teatro sem atores. Me atualize no espaço mas me deixe mais solta. Só não me deixe dançando no escuro. Eu não aguento mais. A minha cenografia não existe sem um drama.

Se eu me esforçar, me encontro entre as suas dramaturgias?

sábado, 27 de março de 2010

III. BLACK BOX


Não me sentindo parte de nada. meu corpo em vários lugares sem pertencer a nenhum. O espaço urbano se torna estranho quando não há espaço em que se veja um rosto comum. Fico vagando entre espaços inertes, a alma adoece, que dirá o coração, que extirpado de sensação de realidade vaga dentro do corpo, inerte, oco, achando que sente coisas. Coisas essas que tomam proporções de palavras e gastas se repetem apenas pelo vício. Não há nada aqui dentro. Uma grande caixa preta vazia.

II. VIDEOTAPE

Aquilo que ansiava numa massa disforme de silêncios simplesmente lhe escapava pelos dedos. Uma cena de filme que não conseguiu se reter na memória. Qual era mesmo o fim da história? Já não conseguia lembrar quando parou de sonhar e começou apenas a tecer, ver cenas que não existiam, mas que não chegavam a ser sonhos, nem alucinações. Eram apenas desejos desencarnados tentando apodrecer na lixeira do cérebro.

Até o tempo esgotar o osso

Em meio a nomes que se baseiam em letras desconexas, em meio a flores que remexem nas farpas entre as cercas ficam suaves gotas de chuva, mas tudo isso não passa de um preâmbulo, uma enrolação.

Deixa que tudo fique assim indeciso, sem precisão de tiro, uma hora apenas o sangue vai escorrer e vai perceber que foi certeiro. No meio da boca, na travessia do peito. E eu sou trash até a última linha. Tuberculose ultra romântica espalhada em cada centelha. Mas isso também é uma enrolação.

Talvez, e apenas talvez, ao longo do tempo eu tenha construído com tijolos indefinidos e multicoloridos um rosto que eu mesma não saiba reconhecer. Uma gama de infinitas retas que em algum momento se cruzam e me desalinham. Coisa adversa. Mas que conserva um pouco da minha filha da putice. Coisa séria, cada pessoa tem um visão pior que a outra de mim, e só uma pessoa consegue abstrair totalmente, e dar de ombros, e com certeza não sou eu. Em última estância sou a merda do meu algoz. O infeliz que persegue o próprio rabo com uma foice nos lábios. Eu me corto, mutilo e desestabilizo sem mexer um único músculo. Isso chega a ser aflitivo. Se não fosse cinematográfico e antes de tudo teatral. Se cada pedaço partido não se transfigurasse num novo drama, pequenino mas ainda assim poderoso na arte de disfarçar o que realmente oculta no coração. Na verdade, a grande arte da trapaça, de enganar. De se enganar. Eu já não sei que rosto é esse que eu vejo, que eu desenho, cada vez é diferente, como a minha assinatura. Cada hora uma pessoa emerge. Mas é sempre uma filha da puta. Isso não difere. Apenas em um ou dois casos, que por algum motivo inexplicável, a persona filha da puta adormeceu e deu lugar aquela doçura tão poucas vezes praticada. Na defensiva? Sempre. Até o último atropelo. Até o farol do carro grudar na retina e o corpo bambolear no ar e salivar no asfalto. Se não acontecer, até o olho obscurecer na cegueira dos dias de chuva.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Duas a menos de mim

Não vejo onde essa estrada vai dar, conheço bem os tijolos, eis o clima. Eu sei que nada que aconteça será novo, mas eu só quero que você me queira. É, assim mesmo, tipo música dos mutantes, desejo simples, sem muita procedência, coisa besta que não se envolve com qualquer outra letra. No fundo no fundo, você é só um nome. Parece triste, letárgico, dizem que é pessimista, sentimental, mas dentro de mim tudo beira um abismo. Isso mesmo um abismo, daqueles profundos e escuros sem poesia. Talvez eu seja mais uma bêbada apaixonada que elegeu uma outra letra do alfabeto pra se entreter. Talvez seja você. Ou talvez seja apenas esse copo na minha frente vibrando. Mas a cada dia que passa eu sei que há duas a menos de mim, dentro de mim, me sinto menos presente. Em algum lugar eu perdi a minha segurança.

sábado, 13 de março de 2010

Em meio ao mundo


Em meio ao mundo surpresas nem sempre agradáveis. Coisas que preferia não ver, não ouvir, não sentir, mas é apenas mais um dia na vida. Apenas mais um dia entre tantos outros. Nem chega a ser uma queixa, nem chega a ser uma insegurança ou uma palavra anestesiada. Apenas um desapontamento pelas coisas que transitam sem se tocar, sem se entregar. Por sequências de palavras que não tem onde se reportar. Questão de postura. Sei lá, talvez apenas uma apego muito grande a solidão que me serve de consolo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Algum tempo

Em algum tempo ficou refletido um dia de sol, sem data no calendário. Apenas uma sombra de dúvidas pairando, de perguntas proclamando alguma coisa que queria sair. Nascer? Morrer? Uma imensidão de palavras tomou-lhe os ouvidos, repetidas vezes, de variadas bocas e eram sempre as mesmas. Haveriam tão poucos adjetivos no mundo? Tão poucas palavras que a língua conseguisse articular? Ficou em dúvida, mas era um dia de sol e teimava em querer relegar para baixo das paredes qualquer audácia, ams sabia que numa hora teria que guardar o sol de volta na caixa e reconectar-se ao mundo tão estranho e frouxo da porta pra fora.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Embaixo d'água


O mundo caiu em cima da cidade, desabou-se em umidade e preso de frio, jogou-se nos braços de alguém que passava desavisado sem guarda-chuva. E eu penso apenas em deixar algo que amenize a tempestade na sua janela. Os prédios distorcidos, como o meu estômago, ficam tensos e com dores nas costas, curvados diante de tanta água. Afinal quanta água cabe numa nuvem? Quanta numa rua? E quanta no seu rosto ou no meu? quando sairmos daqui, desses cúbiculos estranhos que chamamos de empregos, de vidas, de casas? quanto de água cabe dentro do seu peito antes da noite chegar? Penso que ás vezes eu precisaria de mais de uma vida pra conseguir entender essas coisas tão simples e elementares. Porque depois de um dia de sol escaldante vem uma chuva que derruba os arvoredos e placas? Como se depois de um romance vem uma mar de explicações. Não há física, química, ou explicação prática pra essas coisas. Talvez eu veja com olhos internos até os mais fragéis artefatos da natureza, o mania chata em dias de chuva.
Mas o mundo caiu e a sua casa ficou boiando em cima da minha janela, e eu quase que por um minuto peguei numa folha de jornal, uma ou duas palavras pra tentar amenizar a tempestade. Eu quase pensei numa piada, em torcer a boca do céu, pra ela se fechar só um pouco, só até chegarmos em casa. Não fui muito feliz, deve ser culpa desses meus braços magrelos. Mas a chuva já diminuiu, acho que já posso parar de enrolar sobre coisas que não ficam bem num quadro no meio da sala. Mas..quanto de chuva cabe no seu rosto no final da tarde?
Um dia eu aprendo a fazer mousse de maracúja

E tudo era perfeito mesmo na distância. E mesmo que não houvesse nada que aderisse a palma com carinho morno, havia o que mais movia seu peito, feito roda, deliciada, movida de pensamentos. Podia arder na maior cafajestagem, ali, ao lado dela, ficava sempre como uma bisnaga de tinta azul prestes a diluir-se no céu. Era o seu pequeno porto de emoções. Sempre que uma sensação abrupta de queda lhe afligia corria os olhos na procura dela, mesmo que longe, conectadas por um cabo, uma linha, alguma coisa invisível. E mesmo que não houvesse nada entre elas, havia para si, uma sensação de pertencer aquele espaço, aquele sorriso e aquelas duas avelãs que eram seus olhos. Um poema de Neruda sempre. E como um puma que povoa todos os secretos desejos, como um pedaço da terra que recobre no frio a pele minha entre a densidade suave das linhas plenas, entre a dureza aérea das palavras tensas, ah, eu quase digo que não muda nada. Que não muda nada a situação que estamos, estivemos, estaremos. Pra mim sempre será bom e quente ao seu lado. Mesmo que eu não faça o seu prato favorito, ainda assim serei alguém pra vez ou outra te fazer rir. E é assim mesmo, começa distante, de repente eu meto o eu ai tão aparente, e o você ali ao lado.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Duas noites em meio a chuva


Várias noites em vão. Acordado olhando para o teto, na busca incessante de uma palavra que o definisse melhor. Ficou em vão sonhando ser menos do que esperavam, menos do que se via, e mais estranho do que imaginava. Sempre avulso dentro de uma ou duas janelas. Ficou inerte como aquela mancha na parede, aquela mancha dágua da calha que escorria depois de muito usada. Que transbordava. Várias noites em torno de um desenho de uma boca que nunca, nunca falava, mas que dentro do seu travesseiro quase andava e quase estremecia de raiva ao vê-lo. Era muito vazio dentro do seu espelho. Era muito vago a sua altura. Era quase um desespero, se não fosse a gota de chuva que esvaia tensa lenta e ritmíca a sua lentidão de existir. Porque no fundo era lento.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O fim do infernal astral do concreto

Paciência. Dom inato. Palavra estranha. Corpo fora do tempo. Imagino duas coisas distintas quando penso no peso da palavra que nem de longe me reconhece ou ajuda. Coisa que sempre me escapa entre os dedos. E antes fosse somente ela. Mas com ela todos os seus significados e todos os seus parentes. Fica sempre um incidente de caráter cômico ou desajustado feito parafuso mal ajeitado nos lugares por onde minha vértebra se movimenta. Movimento de ossos em dias de chuva. Apenas as pregas dos olhos se mantém intactas. Todas as outras vasilhas, linhas, pesos já se corromperam em proféticos cafés da manhã em que o mundo acordará moderno casual e sem mim.
E todas essas pequenas palavras ficam voando dentro de xícaras de café que jamais se preenchem, em corpos que nunca se entendem ou se encontram, em extensos discursos vazios diante de uma câmera estática. Dom inato. Esse da paciência de ver o mundo girar e a roda correr e o céu clarear e escurecer. Diante de mim as coisas ficam mais tensas, largas como se fossem engolir toda e qualquer sensação. Apenas um silêncio que recobre uma maré de pessoas diferentes mas que usam a mesma escova de dentes. Nada poético o cinza felpudo do céu nessa tarde. A cidade parece se derramar sobre a loucura dos seus transeuntes, dos seus parasitas que habitam sem conhecimento de causa seu corpo marcado. Que sem licença tatuam, erguem piercings e bolas de silicone sobre a sua pele, transmutando-a num inglês hype de merda. Ou numa toy art gigantesca e disforme. E a paciência é um dom inato. Nem sei se é dom,essa sina de esperar ansiosamente contando os dias em calendários distintos, calculando em porcentagem o aproveitamento dos dias, deixando o gerúndio no final de cada escapamento que vaza da boca numa busca angustiada por um novo dono. E assim se passam as marés de tempo entre dentes sangrados e desejos adormecidos. Entre xícaras de café e vodka, sobre conversas vazias em mesas de bar, não há onde se encaixar, algum sonho grande demais para a cabeça ainda há de me quebrar o pescoço. Um dia acordo torto apenas com plenas formigas a caminhar na minha ossatura magra, cheia de cinzeiros para capítulos alheios. Mas toda essa conversa é só tédio pela chuva que banha a cidade sem se decidir entre o dilúvio e a banheira. São Paulo é a casa dos entediados e dos medíocres, deve ser por isso que não vejo em nenhum outro lugar, que não me reconheça em nenhum outro ar. É meu espelho torturado, são as ruas quebradas e sujas, são os bares em sobrados estranhos, são pessoas que se esbarram sem se ver,são pessoas que trepam sem se conhecer, são todas as coisas que intermediam o fim da vida e o principio da alucinação. É toda essa cauda que se arrasta entre as poças de água.

Paciência é coisa que essa cidade não conhece e eu como boa parte de seus músculos de ferro e concreto também não. Desconheço o sentido dessa espera, por mais que espere. E ela, minha doce e maldita metrópole por vezes me repele e me abraça em noites de silêncio entorpecido. Quisera eu fazer um ato de doçura no seu aniversário, mas pra variar você, ranzinza, não permite e tira nesgas do céu com cuspes densos e lívidos de chuva.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A deriva

O meu coração se dilacera numa espera muda de um milagre. Na concepção católica e prosaica da palavra. A noite se desfaz em passadas largas e em desejos embevecidos. Morro na altura máxima de uma poema. Fico entregue a palavras. Mas eu quero mais que palavras. A morte já se postergou nos meus arredores, até lambeu o vidro da minha janela. Mas apenas de passagem perguntando por um outro alguém. Sem a sombra. Sem a sombra ela ficou ali esperando uma resposta minha. Mas eu não soube dar. Sou péssima para indicações de nomes de ruas e coisas do tipo. Sempre fui. E sempre fui afoita. E o meu coração se despedaça assim em silêncio. Não dá pra saber quando é de verdade. Ele mente o tempo todo. É ator. Se imagina em poses alegres, a beira da noite, se corta em lágrimas. Me faz cair. Alguma coisa fica inaudita. A noite corroi aquela sensação de pertencer a algo? Não. Não. É o contrário. Ela traz a única preenchimento possível. Mesmo que com prosa barata. E com gordura nos dedos. Mesmo que a boca lave a carne de palavras, invente mil histórias passionais. Por dentro, cá por dentro só existe o refúgio silêncio pra tudo que não encontrou seu lugar no mundo. Aqui fica resquício de história, personagem sem enredo esperando a hora. A hora da lua cair da cama. A hora em que o corpo pende da janela num novo vício e se finca alterado numa borda de cama a suspirar. O teor romântico das minhas linhas só é superada pela glória ensandecida das minhas entrelinhas.
Morte aos papagaios

Também é palavra estranha, que não desaba de cima do muro. Fica envolta numa camada de neblina que não dispersa. É palavra a toa que transita na indiferença. Que fica muda quando não quer machucar. Que inunda quando deixa abraçar. Que mata quando afia os dentes. Palavra imunda. Que por vezes dá crises de ódio, daquelas de implodir ponte com ninho de passarinhos, cachorros e mendigos. Também, é muita covardia. “Eu te amo, eu também.” “Como pizza, eu também.” Até parece conversa de papagaio, coisa de gente sem vocabulário, que fica pendendo na palavra da boca de outrem, agarrada no último pingo de saliva, sem nada acrescer. “Tenho saudades, eu também.” “Comprei um cachorro manco, eu também.” Chega a dar corpo a irritação. Dá vontade de mandar ler Paulo coelho.

Também até comove, quando o peito tá fraco de amor, ela até dissolve uma má impressão, mas quando a boca fecha e o olho abre fica a sensação patética de que não convém a ninguém toda essa lenga -lenga de amor, e ai vem aquela sensação mongolóide de autodestruição por cirrose na mesa do bar. Cercada de pessoas que não entendem nada de gramática e que não sabem como uma palavra pode irritar tanto alguém.
Pág. 45 do diário de um ogro

O tédio o havia corroído até as pernas. O osso fundo da coxa chiava. A chuva de janeiro caia incansável, dando seus murros sobre os telhados e os frágeis guarda- chuvas de listras. E dentro da sua cabeça, encoberta por um cobertor, apenas um pensamento: será que foi isso? Revirava-se sem sono na cama já marcada de suor. As paredes cheias de marcas de dedos. Uma inquietude chiava dentro de seus ossos magros. Nada até o momento o havia feito notar. Ninguém o havia acertado sem querer com tanta destreza o queixo. Ele sempre foi duro e áspero, nem um pouco sutil em suas colocações, basicamente uma máquina de demolição sem muito freio. Era só abrir a boca e pronto. Se não era isso, vinha-lhe o silêncio incômodo de quem nada tem ou nada quer dizer. Mas aquela mulher que ele amava tanto, o havia chocado um pouco. Será que foi isso? Que todas as suas pretensas qualidades ficavam soterradas diante do olhar dela devido a uma rabugice dele? Será que foi isso? Ela nunca havia dito nada. E ele ficou esse tempo todo achando que um OVNI havia abduzido seu coração ou que ela simplesmente desfazia dele pelo simples fato de ele ainda amá-la. Os ossos do pulso estralavam num desconforto abominável. Havia algo dentro de si que queria gritar. Ai ele lembrou de todas as vezes que estourou por nada, por um lápis, por uma palavra, por todas as vezes que foi chato, causando um atrito sem razão. Das vezes que impediu que ela demonstrasse seu carinho por chatice, das vezes que foi covarde. Vieram a sua cabeça milhares de ações estúpidas. Ele levantou da cama com ar doente. Ficou olhando ao seu redor e uma vontade absurda de esmurrar algo lhe veio aos braços. Queria dizer que era diferente agora, mas ela sabia que não. Ele ainda era um chato de galocha, um velho de trezentos e setenta e oito anos num corpo de vinte e cinco. E desejou que um raio caísse sobre sua cama. Que houvesse uma doença terminal incubada em seu corpo. Mas era pra variar dramático demais. Ele não havia mudado em três anos. Como agora faria tudo diferente em um ano só? Em um mês? Em um dia? Os ossos rangiam chatos. Até seus ossos eram chatos. E se irritou. Desejou explodir a casa. O tédio deu lugar a uma inquietação amarga. E o será já tomava caráter de evidência. Qualquer um dos outros amores dela com certeza o superariam e muito, pelo simples fato de que não eram amargos como um pedaço de carvalho embebido em pinga. Ele podia ser o mais lírico, o mais sonhador, o mais criativo, mas seria sempre o mala que estaria rechaçando as coisas que não pertencessem ao seu mundinho. Seria sempre um espinho na palma suave daquela mão. E pra sempre teve certeza que ele seria a única pessoa no mundo que ela jamais amaria.