terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O fim do infernal astral do concreto

Paciência. Dom inato. Palavra estranha. Corpo fora do tempo. Imagino duas coisas distintas quando penso no peso da palavra que nem de longe me reconhece ou ajuda. Coisa que sempre me escapa entre os dedos. E antes fosse somente ela. Mas com ela todos os seus significados e todos os seus parentes. Fica sempre um incidente de caráter cômico ou desajustado feito parafuso mal ajeitado nos lugares por onde minha vértebra se movimenta. Movimento de ossos em dias de chuva. Apenas as pregas dos olhos se mantém intactas. Todas as outras vasilhas, linhas, pesos já se corromperam em proféticos cafés da manhã em que o mundo acordará moderno casual e sem mim.
E todas essas pequenas palavras ficam voando dentro de xícaras de café que jamais se preenchem, em corpos que nunca se entendem ou se encontram, em extensos discursos vazios diante de uma câmera estática. Dom inato. Esse da paciência de ver o mundo girar e a roda correr e o céu clarear e escurecer. Diante de mim as coisas ficam mais tensas, largas como se fossem engolir toda e qualquer sensação. Apenas um silêncio que recobre uma maré de pessoas diferentes mas que usam a mesma escova de dentes. Nada poético o cinza felpudo do céu nessa tarde. A cidade parece se derramar sobre a loucura dos seus transeuntes, dos seus parasitas que habitam sem conhecimento de causa seu corpo marcado. Que sem licença tatuam, erguem piercings e bolas de silicone sobre a sua pele, transmutando-a num inglês hype de merda. Ou numa toy art gigantesca e disforme. E a paciência é um dom inato. Nem sei se é dom,essa sina de esperar ansiosamente contando os dias em calendários distintos, calculando em porcentagem o aproveitamento dos dias, deixando o gerúndio no final de cada escapamento que vaza da boca numa busca angustiada por um novo dono. E assim se passam as marés de tempo entre dentes sangrados e desejos adormecidos. Entre xícaras de café e vodka, sobre conversas vazias em mesas de bar, não há onde se encaixar, algum sonho grande demais para a cabeça ainda há de me quebrar o pescoço. Um dia acordo torto apenas com plenas formigas a caminhar na minha ossatura magra, cheia de cinzeiros para capítulos alheios. Mas toda essa conversa é só tédio pela chuva que banha a cidade sem se decidir entre o dilúvio e a banheira. São Paulo é a casa dos entediados e dos medíocres, deve ser por isso que não vejo em nenhum outro lugar, que não me reconheça em nenhum outro ar. É meu espelho torturado, são as ruas quebradas e sujas, são os bares em sobrados estranhos, são pessoas que se esbarram sem se ver,são pessoas que trepam sem se conhecer, são todas as coisas que intermediam o fim da vida e o principio da alucinação. É toda essa cauda que se arrasta entre as poças de água.

Paciência é coisa que essa cidade não conhece e eu como boa parte de seus músculos de ferro e concreto também não. Desconheço o sentido dessa espera, por mais que espere. E ela, minha doce e maldita metrópole por vezes me repele e me abraça em noites de silêncio entorpecido. Quisera eu fazer um ato de doçura no seu aniversário, mas pra variar você, ranzinza, não permite e tira nesgas do céu com cuspes densos e lívidos de chuva.

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