sábado, 27 de março de 2010

Até o tempo esgotar o osso

Em meio a nomes que se baseiam em letras desconexas, em meio a flores que remexem nas farpas entre as cercas ficam suaves gotas de chuva, mas tudo isso não passa de um preâmbulo, uma enrolação.

Deixa que tudo fique assim indeciso, sem precisão de tiro, uma hora apenas o sangue vai escorrer e vai perceber que foi certeiro. No meio da boca, na travessia do peito. E eu sou trash até a última linha. Tuberculose ultra romântica espalhada em cada centelha. Mas isso também é uma enrolação.

Talvez, e apenas talvez, ao longo do tempo eu tenha construído com tijolos indefinidos e multicoloridos um rosto que eu mesma não saiba reconhecer. Uma gama de infinitas retas que em algum momento se cruzam e me desalinham. Coisa adversa. Mas que conserva um pouco da minha filha da putice. Coisa séria, cada pessoa tem um visão pior que a outra de mim, e só uma pessoa consegue abstrair totalmente, e dar de ombros, e com certeza não sou eu. Em última estância sou a merda do meu algoz. O infeliz que persegue o próprio rabo com uma foice nos lábios. Eu me corto, mutilo e desestabilizo sem mexer um único músculo. Isso chega a ser aflitivo. Se não fosse cinematográfico e antes de tudo teatral. Se cada pedaço partido não se transfigurasse num novo drama, pequenino mas ainda assim poderoso na arte de disfarçar o que realmente oculta no coração. Na verdade, a grande arte da trapaça, de enganar. De se enganar. Eu já não sei que rosto é esse que eu vejo, que eu desenho, cada vez é diferente, como a minha assinatura. Cada hora uma pessoa emerge. Mas é sempre uma filha da puta. Isso não difere. Apenas em um ou dois casos, que por algum motivo inexplicável, a persona filha da puta adormeceu e deu lugar aquela doçura tão poucas vezes praticada. Na defensiva? Sempre. Até o último atropelo. Até o farol do carro grudar na retina e o corpo bambolear no ar e salivar no asfalto. Se não acontecer, até o olho obscurecer na cegueira dos dias de chuva.

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