terça-feira, 29 de junho de 2010

Das mulheres e das lembranças

Das memórias que assombram esse vazio, as mulheres tomaram forma em seus vestidos nada provocantes, em seus trajes de guerra, nas suas caras doces e duras e tensas. Das mulheres como Weigel, como Waris, Clarice. Lembranças das ruas lotadas de possibilidades no auge da descoberta, do Clube Atari. Das noites vagas sem pretensão.
Dessas mulheres fortes, que sobreviveram ao amor, à dor, que como Weigel desdobraram-se pela arte, construiram novas formas de viver a arte e o amor que ele não devolve (muitas vezes). Das mulheres como Waris, que nasceram marcadas para a desgraça, para a vida irresolutamente tardia. Mas que subiram aos céus, degrau por degrau, na certeza de serem mais que um corpo.
Das lembranças das ruas como eram antes, da Rua Itu, Do Clube Atari, do Kid Vinil nas pick ups. Das padarias, das cervejarias, dos espaços, do Belas Artes antes da reforma, das ruas calmas que cortavam a Paulista. Das manhãs pintando muros, colando stickers, fazendo arte, indo da Pinacoteca ao Tomie Othake na caminhada num domingo de sol.
Essas lembranças, esses pensamentos ficaram rondando esse meu vazio. Essa peça, esse filme, essas ruas me martelaram sobre a força das coisas, transietoriedade dos espaços, da finitude das lembranças. Da dureza das mulheres que se recobrem de ferro para não serem mutiladas, que aceitam as amantes de seus dramaturgos em prol de uma arte maior. Das ruas que eram cheias de meninas que olhavam meninas, dos bares que existiam e consumiam um ano inteiro de festas de aniversário e sorrisos. E que agora não existem mais. Parece que a minha amada cidade ficou mais estéril, perde gotas de sangue na sua noite densa. Parece saudosista, mas sinto falta das ruas cheias daquelas pessoas que eram diferentes, que hoje são arquitetos, dramaturgas, professoras, artistas, engenheiras, estilistas, modelos, atrizes. Daquelas pessoas que discutiam filosofia rica e filosofia de conhaque. Senti falta daquelas ruas cheias de vida da minha vida de tempos atrás.
Aquelas mulheres me fizeram pensar que ser mulher é sempre mais denso, exige mais força, mais paixão e mais loucura do que qualquer outra coisa.
E as minhas lembranças tem preechido aquele vazio solitário que ardia tão intenso, talvez as gavetas caiam e algo saia.
A peça: Determinadas pessoas - Weigel ( com Esther Goes, direção de Ariel Borghi)
O filme: A flor do deserto ( 2009) sobre Waris Dirie

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