domingo, 30 de maio de 2010

Balada da noite invisível (fragmento)

As ruas estavam vazias. Apenas faróis de carros. Janelas indiscretas. E quem sabe alguns cigarros pontuavam o caminho até o metrô. Que com certeza estaria fechado. Mesmo assim continuou, não havia pressa de chegar em casa, dava voltas no quarteirão escuro, divertindo-se em achar as sombras dessa ou daquela pessoa, que ocultava atrás de um poste um roubo, uma masturbação, um beijo ou simplesmente a relação dolorosa com o vazio que a noite perpetrava. Deixava os pés tocarem carcaças de coisas, restos de canetas, hot dogs, cachorros friorentos, camisas, cigarros, poças d'água. Seu próprio corpo era uma carcaça vagando sem rumo exato. Apenas descolado da paisagem por se mover. De resto era sombra, densa e árida.
- que merda de noite... Não fico assim a tanto tempo, com vergonha de existir, alias, com essa sensação de não existir, de ser meio invisível, como o são os ratos, os trapos e as moscas. Mas eu tentei, deixar meu corpo móvel em algum lugar, mas não deu certo. Continuei deslocado, sem pertencer e agora, deslocado por deslocado eu me movo...
Do alto dos apartamentos, sons efusivos, pequenas festas, ranhuras de pele, a existência pedindo passagem. Sentiu-se um voyeur, a merda de voyeur ali naquelas ruas. E a vida onda estaria a sua vida? Em que buraco ele a enfiou? Chutou mais um ou dois pedaços de hanburguer. O metrô montou-se a sua frente, impassivelmente hermético.
- previsível... como tudo hoje. Sério, eu sabia como a coisa se daria do início ao fim. Mesmo. Sabia que ele ia ficar estático na minha frente. Sabia que não haveria tempo pra palavras. E que no fundo ninguém ligaria. Ninguém me veria. A cerveja depois foi pretexto.
Deu a volta no quarteirão, o caminho seria três vezes mais demorado, mais escuro, mais sujo e mais agradável. Ninguém estaria na rua além dele, dos gatos, sua sombra e dois ou três devassos. Era conformado. Um cara conformado com a derrota. Quando não ouviam o que tinha a dizer, mesmo tendo voz forte e alta. Ou quando ignoravam seu corpo no acúmulo do esbarro. Improvisado contato imediato sem grau. Tenso. Tenso. Sua vida era uma bosta. Aquele cara era uma bosta.
- Nem gritou. Nem pediu. Peidou. De medo. De arrogância. Tirou sarro da minha cara. Essa rua cheira melhor. Quando eu apontei o 38 na cara dele...foi seco. Sem graça. Sem riso. Espirrou na camisa. Tipo molho de tomate...e depois. O bar. O bar. E eu era menos que o tampo da mesa. Menos perceptível que ..que..sei lá... a porra da vagabunda varizenta...ela tinha mais sorrisos do que eu...eu me senti um idiota. Eu tinha acabado de apagar um mané, tinha um 38 no bolso e fiquei ali sentado numa mesa de bar de oitava categoria, tentando me enturmar com os amigos dela...
Aquela rua era longa. Sórdida. Cheia de entrelaçamentos viscerais adormecidos.
-...e eu tenho a merda de um 38 no bolso....

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