quarta-feira, 26 de maio de 2010

Entre as linhas e os pontos uma mão

Guardado na gaveta ele morre. A cor esmorece. As linhas se dissolvem. Todo o sentido da criação escoa na prateileira, amorterce a tensão, deixa flácida a intenção. Morre. Um desenho dentro da gaveta é triste. Ele sofre porque vive apenas para os olhos do seu criador. As palavras da mesma forma, que borbulham na veia de modo tão intenso que sufocam-se de amor, morrem se acometidas pela mão pesada do seu criador. Se apenas guardadas para seus olhos fazem sentido. O texto, o ponto, a linha, a gramática poética só tem sentido se toca a mão de outrem, o coração, a pele, a carne, qualquer parte, de outrem. Se recebem lábios, significações e desejos conspirados de outrem. O meu teatro sobrevive de linhas vivas, que sempre se modificam e se transformam na pele. Saem dos meus poros, as linhas vigorosas ou leves, e permeiam no olho do outrem a sua imagem semi acabada. Mas acabada é palavra inexata quando se fala ao coração. E se as linhas não puderem chegar ao átrio, ao sangue de que valem? Se aquilo que eu aspiro está sempre fora de mim. Se aquilo que eu sinto , transporto pra fora, no simples ato de não morrer. Porque a paixão dentro de mim, sufoca as vezes. Marca a pele de modo intenso. Deixa vergões. Essa paixão move meus pés, mãos, meneios de cabeça. A criação em si move minha cabeça. E o meu peito já dotado de fúria natural procura a catarse. Procura na imagem o estopim da minha amada loucura. Do meu devaneio apaixonado, e por vezes da minha dor. Essa minha aversão ao quadrado da gaveta me vale mal entendidos. Essa aversão ao fechado e ao medo ( que sim me domina em horas furtivas do dia) me compõe toda manhã. Se agora já não sinto aquele pulso acelerado é porque não manejo o lápis. Não manejo a real arma do meu peito. Sinto-me desarmada.
E se em algum momento colocares o que é meu, essa parte que é minha na sua gaveta, saibas que vai me matar. Não digo pra expor em bandeirola, mas pra simplesmente deixar viver. Dentro das suas palavras e das minhas linhas o sentimento vivo, obssessivo e opressor e lento, tem que suportar mais que a amarração que empomos, tem que suportar mais que os olhos alheios, tem quer ser mais que a saliva do criador, pra ser um pássaro fora do horizonte. Além do horizonte. No caminho da Lua.

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