terça-feira, 12 de maio de 2009

Parte VI

Papai, papai, papai eu tenho uma chave de roda. Eu tenho tijolinhos de raiva debaixo do travesseiro. E eu destruo tudo que eu toco, foi isso que o Doutor Bernardo disse do outro lado da porta, eu consegui ouvir. Papai você aí sentado do lado da mesa bonita e eu aqui escutando atrás, na surdina. Eu tenho uma chave de roda dentro da cabeça e tijolinhos de raiva dentro da retina. Você nem veio falar comigo, problemas de pagamento, saí caro? Me deixar aqui? Como pode? Se não tem nada aqui? Eu me ocupo papai, obrigado pela preocupação. E eu tenho tijolinhos de raiva. Tijolinhos de raiva caminhando dentro de uma carrinho de mão, empilhadinhos pra quando você chegar. Me levam pro banheiro, passam shampoo no cabelo, até base na marca roxa que eu tinha no braço. Camisa branca de seda sem fios nem desenhos, passam até lixa na unha e dizem que belezura! Fazem até rima no corredor, que amor....eu tenho tijolinhos, me levam pelos lados. Escoltada por soldados interesseiros. Me sentam na frente do doutor Bernardo e bem ao seu lado. Olho no olho. Sorrio. Todos felizes e adocicados. Tijolinhos de raiva empilhados. Boca se mexendo eu não ouço. Vermelho. Vermelho. Vermelho. Contra plongé do seu rosto mascarado. Plongé do meu machucado. Tijolinhos de raiva. Boca mexendo. Tijolinhos de raiva empilhados tremendo. Bocas mexendo e falando.
- você não tem nada pra dizer pro seu pai?
Doutor Bernardo nunca sorriu tão azedo, parecia ter que levantar o mindinho pra rir.
- eu? Claro.. Tem um texto muito bonito dentro da minha cabeça chamado canção pra Maria, posso recitar?
Doutor Bernardo me pareceu um tanto receoso, mas o meu sorriso foi tão débil que ele achou inofensivo e quase riu da sua idiotice, afinal eu disse coisas tão bonitas em nossa última sessão.
- claro, pode começar
Olhinhos de papai vidrados, filhinha recuperada, que emoção, quase podia sentir essa frase pairando sobre sua cabeça. Tijolinhos empilhados tremendo.
- Maria, Maria...Deixo no seu corpo o rastro da minha porra. (Tijolinhos caindo. Caindo.) Ponho teus dedos na minha buceta que pulsa, deixo minha boca descansar no teu pescoço enquanto sua respiração reage. Deixo o meu quadril dar um ritmo, meus seios esfregados....
- tirem essa filha da puta daqui! Rápido!
Muitas vozes reclamando juntas, papai, Doutor Bernardo. Me arrancaram tão rápido da sala e o verso era tão bonito, nem me deixaram terminar... Tijolinhos de raiva soterrando, soterrando uma casinha. Será que papai ficou chocado?

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