segunda-feira, 11 de maio de 2009

Parte II

Se eu estava bem não sentia. Nem bem sabia a diferença entre estar bem e o normal. Me acham no vermelho. Mas eu sei que nada além do dente estourado no azulejo é vermelho. Dentro de camisetas brancas percorrendo corredores cheios de cola de dentadura, passeiam os homens de chumbinho, soldadinhos brancos de prancheta. Estetoscópio. É o nome daquele negócio, uma traça muito sabida comeu a palavra inteira e arrotou todas as letras pelas paredes e pelo corroído do colchão. Pendências, tenho várias com os potes de balas coloridas que depositam na minha água todo insano dia. Potes de balas coloridas. Que eu cuspo dentro do olho do boneco de chumbinho branco. Ele cospe de volta e enfia pela minha goela afora, porque quase rasga o couro gasto do corpo, de raiva. De raiva. De raiva. Todo mundo tem raiva. Do cachorro. Do gato. Do professor. Da vagabunda. Da esposa. Do desconhecido. Do transporte público. Do suéter laranja. Da comida do restaurante da esquina. Todo mundo tem raiva. Todo mundo tem raiva. Eu sei eu sei eu sei. Eu tenho um pouco de raiva, mas eu vomito, eu vomito todo dia a minha raiva e deixo aquele caldo endurecer no chão pra fazer tijolos, tijolos pra minha casa casa cheia de raiva, feita de raiva, onde ninguém pode entrar, ninguém mais pode tingir o amanhecer de vermelho.

Um comentário:

  1. a forma do texto parece uma porrada o q ficou otimo pro conteudo de raiva dele...gostei muitobjs

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