terça-feira, 20 de maio de 2014

Antes de você

Antes dela eu não sabia o preço dos tomates
nem como se acendia o fogão
Antes dela eu não sabia o porque do meu corpo pouco
do silêncio, da ausência de sensação
Antes dela eu não tinha motivo pra sair da inércia
nem sabia preço de casa, roupa, botijão
Antes dela havia memórias e invenções
e um medo terrível de existir incoerente
um medo absurdo de ser ridiculo, uma cara risonha
pra um coração em farrapos.
Antes dela, eu me olhava no espelho e tinha uma garrafa
no lugar dos meus olhos
tinha um copo, uma ausência, um silêncio dolorido
uma eterna negação.
Antes dela havia um sonho, distorcido por um caminhão de inadequações
Antes dela era verso neo romântico batendo na mesma tecla, na doença inexistente, num conjunto de amores vazios, de tentativas de ser aceito, antes dela sangrava a boca, sangrava o peito, era espelho quebrado, cadeira voadora, antes dela havia um eterno querer sumir, um eterno voar da janela, antes dela era dureza, não pela natureza de pedra, mas pelo medo de ser efêmero. E não se conformar em ser efêmero. Antes dela eu era estatística num gênero. Eu não queria admitir o motivo da incompletude. Eu queria negar o rosto do pai entre as sombras do cabelo. Eu queria ir longe, sentado num canto do chuveiro. Antes dela era um desajeito vestido de camisa combinando com a calça. Era cachaça. Antes dela eu tinha adolescência demais pra alguém de quase 30 anos.
Ela me mostrou meus erros, ela me amou do jeito torto que eu sou. Ela começou a me desconstruir. Mas eu sou tão medrosx, tão insegurx ainda, que ao longo dos meses fui podando nela as coisas mais lindas com desencorajamentos inconscientes. E ainda assim, ela me amou. Me mostrei um cavalo inconsequente. Ela relutante, me deixou ficar em seu colo. Antes dela, eu fatalmente posso dizer que não sabia o que era o amor completo, sabia o que era o desejo, a paixão, mas não o amor. Eu hoje, acordei me sentindo frio. Porque ela refletiu minha frieza contra mim. Ela me mostrou o quão vazio era o meu jeito de demonstrar amor. Eu acordei de pensamentos intranquilos. Eu não quero mais o antes dela. Agora talvez seja tarde pra cicatrizar toda a ferida que eu fiz sangrar. Hoje seria um dia a se comemorar, mas as minhas mancadas e medos não permitiram que hoje estejamos felizes. Ela não dorme mais segurando minha mão, nem tem vontade de sorrir ao saber de mim. Eu deixei um deserto onde antes havia um campo cheio de flores múltiplas. E agora tão tarde ponho sementes minúsculas na terra fria. Um dia quem sabe, quando eu puder olhar pra isso sem engasgo, quando eu tiver me reconstruido todo, você minha pequena e amada estrela, possa me perdoar por todo o percurso acidentado. E talvez quando você tiver reconstruido todas as suas partes que eu mofei, voce possa sorrir ao saber de mim.

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