domingo, 1 de maio de 2011

Um fragmento da ossatura de um homem particular

Dissipou as nuvens que pendiam sobre seus olhos. Ficou inerte no calor do abraço que não se remontava. Uma palavra e nada era a mesma coisa. Estava tão quieto, interno, mas algo vazou. Pelas frestas dos seus dedos algumas coisas vazaram e chegaram nela como um assombro. "Posso pousar a cabeça no seu ombro?" " Não confunda as coisas, sério." Ai, ele perdeu o fio da história, pelo tom da voz sabia que tinha feito algo, mas puxando os fatos não se lembrava do excesso. Ficou amuado. Podia ser agressivo. Mas defensivo como sempre, se enrolou em três ou quatro piadas num claro sinal de " não adianta falar disso", por mais que o falar fosse necessário pra calar as perguntas dentro de si. Mas o que mais o deixou abismado é que ela não o levou a sério desde o primeiro dia. E só hoje, assim por acaso, ele teve claro e declarado. Fazia sol. Pensava num whisky com no máximo uma pedra de gelo. Ficou lá vendo as nuvens passarem por dentro dos seus olhos. Não que houvesse raiva ou algo assim, mas pelo estranhamento. O ataque inesperado da sua carência por uma força oculta que eram os olhos dela incisivos sobre os dele, que de tanto não saber o que fazer queriam fugir e se transformar em qualquer coisa que estivesse longe daquele contexto.


Uma simples pergunta desenrola um novelo. Descamba num texto. É sério que você não sabia que eu te queria de um jeito tão simples? E é sério que você não percebeu que perto de você não sou eu, é apenas um carinho que fica? E que diante da impossibilidade, não fica ferida? Fica apenas assim, mão aberta pra te tocar sem cinismo?


Ele não é direto. Ele não sabe dançar reto. Ele mal sabe dançar. Ficou assim pensando em jeitos de não misturar sal com açúcar. De não ficar sem par. Apertar. Mas que estranho. Pensou mais um pouco, e não sossegou o miolo, ele não havia feito nada de excesso, além de estar perto e dos seus silêncios habituais, normais quando algo o incomodava ou quando se sentia fora do lugar. E geralmente se sentia fora do lugar. Assim, sem par. Ele realmente, não é um homem direto. Ficou assim parado. Medindo o quanto da sua alma vazava pelo espaço e tentando achar o buraco. Queria fazer um remendo, pra que o que existia dentro dele não saísse assim sem aviso e entregasse seus segredos pra qualquer um que estivesse perto. Na mesma distância de um beijo ou um aperto de mão. Bem, na verdade, ele era um perdido. Fica deslocado entre as pessoas e só se sentia confortável no meio dos bichos.


Mas é sério que você não tinha percebido que esse jeito todo tosco envolvia um pedido tímido? Que nem era pedido, era mais um " olha esse sentimento existe tá? mas ele vai ficar aqui, fazendo nada, enquanto faz as malas pra uma hora ir embora" E agora eu fico querendo explicar, porque eu adoro explicar, eu preciso me explicar pra mim mesmo. O que não deixa de ser engraçado. Mas se eu explico eu complico mais. Porque não tem nada pra ser explicado. Você tem um par, eu tenho sapatos.


Me explica quando eu confundi? Pra eu poder te explicar se era ou não?

Ele tinha "sindrome de pequeno principe" cativava então cuidava. E se gostava cuidava mais, e chegava até a baixar e guarda e se deixava carinhoso como um gato se gostava mesmo. Era assim zeloso com todas as coisas que amava, mesmo que gostasse e muito do personagem mal encarado que só reclama e não gosta de nada. Quando dizia "você é uma anta as vezes" era quase um " você sabe que eu te adoro, não precisa de confete, te trato mal pra você não se afeiçoar a mim" Tinha tristeza de sobra pelas perdas. Sabia de perdas. Vivia de perdas. Ontem mesmo, perdeu 40 reais. Mas era assim confuso. E não era ao mesmo tempo. Perdido. Diluído. Diluía como tinta suas intenções entre as frases. Como se exercitasse uma coreografia imaginária para um amor submerso. Nome bonito pra um poema. Quem sabe? qual tema? Tema? tenha medo não.

Ele era só um homem estranho e particular.

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