sexta-feira, 12 de junho de 2009

Das rotinas circulares

Cada dia é sempre o mesmo. As pessoas mudam de lugar. Movem-se os pretextos. Mas o contexto é sempre o mesmo. Mudam-se as palavras. Modificam-se os enredos. Mas o resultado é sempre o mesmo. Momentos de euforia auxiliados pelo desespero. Quando houve uma onda jogou-se sobre ela um rochedo. Despedaçado por qual força? Não interessa. O impessoal das perguntas se repete nas respostas. Porque é sempre o mesmo. O mesmo dedo que escreve, o mesmo olho que decifra. A mesma boca que alimenta o mesmo momento descartável e bonito. Poderia ser um dia de frio, uma redoma, uma estufa. Poderia ser o contrário. Ser uma recusa. Poderia ser uma pistola. Mas no fim das contas, da soma, da divisão ou de qualquer outra operação o resultado é sempre o mesmo. Mudaram seu nome, mudaram meu texto. Mudaram meu rosto, deram novo cimento. Mas no fundo, lá no fundo das intenções era sempre a exata cópia daquele sonho.

É daquele sonho que nunca dá pra lembrar. Daquela memória corroída pelo excesso de uso. Por aquela outra coisa qualquer. Mas fatos são fatos. Repetição. Repetição. Repetição. Se você olhar para trás e eu por acaso não estiver mais lá,sinto muito. Porque é sempre a mesma rotina de desinteresse. Pra cada dois passos rodados no salão, quatro pisadas de pé e uma parada para mergulhar num outro mundo que eu não quero estar. Queria o impessoal, mas a garganta dói e sangra. E não, não é dor pela perda, pelo excesso, é pelo cansaço.

Cachorro cansa uma hora de correr atrás do próprio rabo. Cachorro cansa de brincar atrás dos automóveis. Rastro de luz amarela no meio da avenida. Cachorro também morre atropelado. E cachorro cansa. Envelhece. Perde a graça e vira sabão.

Gente também cansa. Perde a graça e vira árvore. Vira galho. Chaleira. Empecilho. Madeira. Cimento. Asfalto. Pistola enferrujada. Palavras que não servem. Gente também cansa, mas não morre. Enverga. Gente também cansa. E se morre, permeia. Vira palavra ecoando no túnel da memória, criando história. Coisa quando quebra, se ferra a gente esquece. E é sempre assim. Na cansada rotina das coisas que são sempre as mesmas. Que se invertem em obstáculos, em maravilhas, em coisas mortas, em coisas frias, em coisas fáceis. Em rotinas.

Cada dia é sempre o mesmo. Conto árabe que se acaba na própria boca.

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