segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A segunda noite
(para J.)

Acendeu as velas num silêncio amargo. Dentro de si a certeza de que a ficha não caiu. Olhou para os lados tudo estava escuro. A noite avançava com fios de suspiro entre as estrelas. Não era nada poético o que ela sentia. Não era nada poético o cheiro das flores. Das velas. Do sal. Da noite que se empedrava nas retinas agora opacas daquela senhora. Nem era gentil sua face congelada. Nem era gentil o movimento alquebrado das mãos em busca de um retorno. Não era a primeira nem seria a última. Mas a dor às vezes é algo que sobe a garganta e não quer mais descer, como um bolor que fica interditando a respiração e você realmente acha que vai morrer naquele insípido instante. Acendeu as velas e corou a pele clara da palma das mãos na busca de uma dor menos lancinante do que aquela de olhar para um pedaço de amor sem vida e agora frio. De alguém que havia carregado tantos de seus sonhos nos braços e algumas de suas desilusões no silêncio do abraço. Acendeu as velas mas não teve coragem de ver. Ao redor tudo ruía. Nas paredes internas do peito os pedaços de reboco se exauriam. Naquela noite, - a mais longa daquele final de ano -, as velas pareciam menos reais do que o rosto contorcido de seu pai, que qual cenário expressionista se desfazia em ângulos avessos a natureza. A tristeza da morte ensaiava sua entrada.

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