sábado, 12 de dezembro de 2009

Luzes de natal numa rua sem energia elétrica

E já se foi. Aquilo que martelava e parecia lindo já se foi. Como a beleza outrora sentida nessas luzes de natal. Poderia parar e sorver uma garrafa inteira de vinho observando e tentando entender o movimento das luzes de natal numa janela qualquer. E já não seria sem tempo se eu tropeçasse inteiro num obstáculo mínimo como uma frincha no chão. Apelando para o bom senso que não tenho, evito as garrafas e evito as frinchas, exceto aquelas é claro que se alargam dentro de mim. Essas nem por descuido, antes retoco e amamento-as todas as manhãs com certezas frescas da minha condição de sonhador ridículo. Não que role para mim a aura dos personagens dostoieviskianos, mas pareço-me e muito com certos instantes. A noite chegada na porta sem ninguém, vagando por onde nem as sombras das luzes de natal parco rondam. Porque só a minha rua tem luzes diferentes? São azuis vermelhas e verdes, quando todo o resto é branca e resplandecente, na distância quase um sorriso infinito de braços dados, boca a boca costurado. Mas na minha, na minha rua a luz é diferente, lembra luz de puteiro. De bar de esquina, é menor a lâmpada e mais rala. As casas e prédios vazios me dão aquela sensação de bairros do Harley nas madrugadas de filmes policiais. Onde tudo acontece na luz tardia da madrugada. Chego. Ninguém me atende. Nem me persegue. Apenas a cabeça rodando num redemoinho e algumas vozes longínquas parecem tecer fios de palavras que não consigo inventar. Tiro os sapatos, os dedos quase em carne viva, eles são apertados de mais para mim, eu já sabia disso no ato da compra, mas eram os únicos pretos daquele modelo e naquele preço. E eu não tinha mais do que aquele preço no bolso. Fatalmente nunca tenho a mais no meu bolso. Sempre os dois e cinqüenta e cinco do metrô. Sempre os dois e trinta do ônibus. Os dois e cinqüenta de uma hora na lan house do Marcelo. Sempre as quantias exatas ou nada. ou sempre nada. fatalmente isso. E agora é o nada que põe band aids ocres na ferida do dedo mindinho, que bem parecia uma aberração por causa do sapato apertado demais para o meu pé mas que mesmo assim eu comprei no final do ano passado. Esse mês ele faz um ano. Um ano que me machuca. Eu o chamo de sapato de chuva. E hoje chovia. E eu o coloquei porque é o único que ainda não tem buracos na sola, justamente por eu usá-lo pouco. Ou algo do gênero. Eu preciso de algo liquido. Um copo cambaleante sobe comigo as escadas. E nas minhas roupas rotas você vê a marca clara das minhas desilusões, inclusive as de consumo. Especialmente no final do ano quando as lojas ficam abarrotadas e eu fico abarrotado de sorrisos esguios e bolsões de ar nas calças, mas precisamente nos bolsos das calças. É natal. E nada que me lembre isso está ao meu lado. Apenas um pisca -pisca que toca músicas repetidamente, mas tão fraco, tão velho que me soa quase melancólico. Quase como uma natal de infância que fica nublado diante de um pinheiro e um saco de presentes que você nunca lembra. E você nunca lembra, mas eu lembrei de você. Assim sem propósito. E a minha cabeça roda a casa na busca de um AS. As minhas roupas velhas demais conversam com a parede e os meus pés de mendigo sobem as escadas nus. Fico na beira da janela olhando o nada. A noite vazia de sexta. Porque é sexta e nada nem ninguém “vai me trombar hoje”. O telefone permanece no gancho. E a rua vazia me dá um murro. Lá longe um ou dois ou três carros passeiam entre ruas esquálidas indo para algum lugar além do centro. Porque eu moro no centro. E agora a minha rua é vazia. E as mulheres na calçada ainda conversam distantes e eu não consigo pintar uma conversa pra elas. Meus pés doem demais, eu andei torto da estação até aqui. Porque eu vim de trem. E o meu pé me matou mesmo quando eu estava sentado lendo um livro. Numa dessas raras oportunidades que a cabeça não pensa em nada além daquelas palavras que o livro circula na nossa testa. E a minha boca continuo seca embora eu tivesse tomado uma cerveja vagabunda. E a minha rua tinha luzinhas de puteiros. Mas na minha rua não morava ninguém em especial nem eu. Só eu. Ah, deu pra entender, que nada disso é ordenadamente importante. Meus pés doem mesmo com band aid,deveria existir um band aid que tapasse a dor. E existe uma dor em mim que não se tampa. Não se fecha assim como feridas em dedos estraçalhados. É algo vazio que me acomete principalmente nas noites de sexta quando tudo é vazio, mas em outro lugar tudo está cheio. Só meu saco está cheio. E o meu copo que eu esvazio num gole só. Mas é água. Não tinha dinheiro pro vinho. Quatro reais e setenta e nove centavos. E eu não tinha o dinheiro do vinho. Eu tinha apenas cinco reais e dez centavos. O dinheiro exato de ida e volta. Mais nada. E ah, chovia e o meu guarda chuva estava quebrado. Mas quem liga? Era só garoa. E amor, era uma garoa gelada. Mas tudo isso se foi. Na verdade eu nem sei porque coloquei o seu distintivo aqui na minha boca, até você se foi, sentimento passageiro. Apenas a solidão dos meus dedos dormentes e minha língua disléxica que tenta ficar bêbada com água, por falta de quatro reais e setenta e nove centavos. Mas a luz da minha rua é de puteiro. É natal e não há ninguém em casa, nem mesmo, a solidão que nessa hora me falta, numa insatisfação indiferente pela minha vista vazia, digo a vista da janela, na noite que nada abriga.

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