terça-feira, 13 de outubro de 2009

No meio da avenida as três da manhã um corpo pediu socorro reconduzido pela vasilha vazia de seu coração

Agregou meia dúzia de ódios mortais a sua lista de impropérios. Aquiesceu sem muita certeza essa sensação tenebrosa e inevitável de perda. Perda do controle. Perda da sensação. Perda da perna. Perda da xícara favorita de cabo azul. Perdas intermináveis num calendários de números tensos e reprimidos. Revoltou-se em silêncio contra essa inabalável certeza da perda. Sobre o controle que se esvaia entre seus dedos. A masturbação descontrolada. Os beijos baforados em espelhos enrugados. Deitou-se sem prazer num sofá vermelho e mofado. Um morango mofado tremendo no meio da sala. Espremeu de si a palavra cantada. Deixou descer por seu sangue a frieza de um rio numa manhã de outubro. Deixou-se esfriar. Deixou-se assim quieto. Embora o desejo lhe consumisse as vísceras e dentro de suas carnes tudo tremulasse num pedido absurdo de liberdade. Suas pernas. Seus cabelos. Tudo parecia eriçado. Entristecido como o último macho de uma espécie abandonada. Cativo de suas próprias sensações físicas. Deitou-se fetal no sofá morango. A janela aberta deixava entrar a cidade que cuspia e relinchava. Suas veias pareciam linhas carbonadas calcadas num desenho original tosco e constantemente reapagado. Até o momento em que a folha cansada rasga. Sua pele. Suas veias pareciam queimar. E uma quimera ficava cintilando calçada de tênis e meias multicoloridas. Mesas de centro que se comunicavam por farpas. Ele perdia o controle. O controle. O controle. De tudo. De todos. De tudo. De todos. De todas as coisas. Que haviam existido. Suava. Suava. Dentro do seu olho escorria o suor, antes andava. Pisando nas retinas e causando uma dor palpável. Sentia a dor de estar vivo e preso aos seus desejos mais sinistros. Queria matar. Queria morrer. Queria ser de alguém. Queria ter alguém pra matar. Pra morrer. De amor. De amor escamado e costurado nas veias das manhãs. De tensão. De tesão. Queria esgueirar-se pra fora da sua imaginação e possuir grotescamente a sombra das mulheres que nunca amou. Queria deturpar as virilhas como pontas de cigarro. Fumar os pentelhos e esperar o barato chegar na retina. O cheiro. O cheiro. As veias ardiam. O cheiro. As veias comiam. O cheiro. A boca dela. E o cheiro. Intenso e acre. Intenso e luminoso. Cena de cinema ardendo dentro da válvula de escape do corpo. Num grito rouco de adeus a própria carne. Alastrou-se pelo sofá como um vírus, ardido. Queimado. Machucado. Víscera pura.
Saiu a rua ensandecido. No primeiro corpo depositou a razão do seu escarro.

Te amo

Eu preciso dizer isso antes de morrer. E eu vou morrer. Morrer consumido pelo amor que nunca tive. Que não tenho. Masturbado no meio do asfalto as três da manhã por um travesti obsceno e aproveitador. Da dor alheia provando aos fartos lábios. Deixando imagens pequenas refletidas no espaço. Obsceno. Obsceno. Obsceno. Perdido no espaço.

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