terça-feira, 27 de outubro de 2009

Lá pelas três da manhã

Na noite os densos se revelam. Os pensamentos emergem como figuras num desenho inconsciente. Na noite os desejos interferem no manejo das mãos. Os segredos imperam nas bocas ociosas. E oscilam entre o silêncio e a derrota da voz. Na noite os letreiros se acendem e toda a vida esburacada sai a rua pra se vender e se trocar por novas histórias. Na noite todas as bocas entristecidas ganham contornos vermelhos e as lágrimas preenchem copos e goelas. Na noite o sexo permeia as nuvens e finca pé nas janelas. Na noite os pescoços se espicham sem nervosismo. A música entra pelas janelas e ouvidos e até nos buracos menos resolvidos. Na noite a resolução é um momento e não uma meta. Na noite a alegria é um cometa com hora marcada e ponto de ônibus. Na noite todos os gatos são negros e usam All Star de cano alto sujo. Na noite os baixos eletrificados entram no ritmo dos corpos. E os dentes voam nas palavras alquebradas. Nas quebradas de esquina os sonhos envelhecem. E na sarjeta se regurgitam em novas promessas de segunda-feira. Na noite todo corpo se torna pretensioso. E todo timidez encontra sua capa de invisibilidade. Na noite todo sorriso esconde uma fama e uma cama desarrumada. Na noite meninas resistem tensas nos cantos da pista. Na noite as experiências tem cor de azul profundo e metálico. Na noite as paredes ganham hematomas e restos de suor. Na noite as escadarias ganham chuvas mornas de urina prateada. Na noite existem olhos que não diferem postes de calçadas. Na noite existem grandes encontros. Na noite resistem grandes dúvidas existenciais. Na noite os dedos se torcem nervosos entre anéis. Na noite existem copos que oscilam entre o não e o sim. Na noite existe o esquecimento. Na noite existe o desconhecido. O repetido. E até o incompreensível. Na noite espreita a morte. Na noite a lua dorme enquanto seu corpo vaga branco por um véu de pretensões. Na noite existe a ilusão da força. Existe a grossa pele da certeza que se desfaz no primeiro farol de carro. Na noite há o charme que só a luz do sol consegue desfazer. Na noite há a beleza que não se pode representar. Há o palco que sempre fica cheio. Na noite resiste o sonho que pela manhã não reconheço.

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