terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Boneco de corda num pingo de chuva

Ergue a perninha, vai. Tô mandando. Deixa eu puxar os fios aí da sua cabeça. Anda vai. Imita um macaco,isso, assim. Abre um sorriso, caralho. Isso, assim. Bonito. Perfeito. Agora dança. Isso. Macarena. Funk. Isso vai. Rebola. Muito bem. Agora vai, põe esse terno ai. Não o azul, sua besta, o cinza. Isso, o cinza-cidade. O cinza- São Paulo. Pega a pasta. Isso. Os relatórios. Pega o ônibus. Ops, uma velhinha, as sete da manhã, finge que tá dormindo. Isso, bom, garoto, peraí, que o fio enrolou. Agora sim. Desce. Anda correndo com medo de tudo. Isso toma um café rápido num copo de vidro sujo na padaria do seu Manuel. Agora trabalha sem olhar pro lado até as seis. “Alô, bom -dia” “Bom-dia” “o relatório tá aqui” “A impressora quebrou”. Gostoso. Deixa eu puxar o fio aí da sua cabeça, anda, deixa de frescura, não tem nada ai dentro mesmo, você não pensa, você só acha que pensa quando eu ponho um papel dentro da sua cabeça e nele escrevo “Pensa”. Só assim, bem mastigado. Tá chovendo. O céu está cinza. Perdi você de vista no meio da cidade, é tudo cinza. Não adianta correr, só disse isso pra você não reclamar de liberdade. Mas é só puxar a cordinha que eu te encontro. Opa, puxei com força, te dei um tombo, te dei um roxo pra você ficar esperto. Quem puxa as tuas cordas sou eu. Agora espera no ponto sem guarda-chuva uma hora e meia até o ônibus passar lotado. Você entra e se confunde com tantas outras cordinhas, puxei a perna do vizinho em vez da tua. Foi divertido. Tá apertado? Esse cheiro de jaula te incomoda? Três horas dentro do ônibus, um trânsito dos infernos hein! Abre um sorriso, vamos, abre por gosto, ou te puxo as cordas da boca e te faço sorrir até as orelhas em definitivo. Isso. Bom menino. Agora chega em casa e senta na frente da TV e fica ai quietinho que eu vou jantar.

Em frente à TV o homem cinza fica. Nenhuma palavra. Nenhum movimento. Janta algo que estava dentro do microondas. Deita e dorme. Sobre a cama pendem frouxas uma dezena de cordas soltas.

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