terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Três cantos ingratos num canto minguado do quarto

Segundo canto

Se ela gritou eu estava longe

Meus pés cheiram a mortos. Respiram narinas num parto de odores acres. O trem sacoleja e grita a cada parada. Poucas pessoas ali dentro daquela molenga lata de sardinhas. Bêbados. Putas. Velhos. E ...eu. Apropriado. Ainda ouço você gritar. Dentro daquela cela acolchoada. Atrás daquela porta que você desenhou para não me sonhar. Eu ganhei uma aposta e deixei você ficar..indefinidamente no meu lugar. Aproveite a estada, enquanto a mim, boa viagem.
Meus pés revogam a beleza dos metais. Em passos alongados. Êxtase por respirar longe dos vapores da sua loucura. Era tão bela, mulher, como tola. Deitou-me amarras quando eu não era um navio, e você muito menos um porto. À menos que a considerássemos um porto fantasma. Ou a mim, um navio pirata.
Éramos parte de um mesmo corpo, eu colhia damascos nas suas redomas, e você me sentia inteira em longos gemidos alterados. Seu homem indesejado, sua mulher alheia, sua criança pequena e seu escritor de arco-íris. Meu homem indesejado, minha mulher alheia, minha criança pequena, minha poetisa de linhas infames. Éramos parte de um mesmo desenho. Agora somos cacos de vinte e quatro espelhos. Impossível retomar a conversa da última palavra que ditamos. Vá à merda!
Continua berrando indefinida em sua redoma suas pequenas amarguras, seus pequenos defeitos acentuados sem mim, eras cega sem meus olhos, precisou arrancá-los de mim, mas eu os tenho em meu bolso. E por sua causa aprendi a ver sem precisar deles. Posso ler suas dores com a ponta dos meus vermes, penetrar seus damascos como uma peste. Veste a minha camisa preferida na minha ausência. Tece, um livro com os pensamentos encadeados da sua indecência. Mas sempre, até no achado da perfeição, me sonhas. Sem tocar nas letras do meu nome, me sonhas. Descreve o meu rosto. As minhas pernas e os meus amuos. Mulher, você, é realmente um acúmulo de deliciosas inutilidades. Sabia que eu sou de faca fria? Posso cortar suas palavras pela língua, na base da goela. E não ter que repisar nas suas estrelas.

O trem sacoleja ausente de ritmo, ora pra esquerda, ora pro abismo. Escura noite sem invenções. Meus dedos alimentam a sua paranóia a distância e eu quero mais é que as formigas façam baile na sua boca.

Tenha uma boa noite meu amor.

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