segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O homem que queria ser uma nuvem

De si para si repetia o milagre das respostas largamente imaginadas. Sentia o rosto duro, o corte da boca seco. Ficava assim inerte sobre a mesa, trabalhando. Sem olhar para os lados, sem atender o telefone. Sem prestar atenção em nada. Ficava cada dia mais alheio, cada dia mais sozinho. Queria jogar forca e perder.

Mantinha-se atrasado para o seu próprio tempo. Demorava em cumprir seus próprios prazos. Esperava talvez o acaso de ônibus em alta velocidade e desgovernado. Mas o acaso quando desejado não ocorre, se torna uma impossibilidade.

Relampeava dentro do seu coração. Não choveu torrencialmente como previsto, mas dentro de si houve uma tempestade, que arrancou casas do lugar e neurônios de seu lar, alagou uma série de gavetas, desmanchou a tinta das tabuletas. Ficava alheio a tudo e mesmo a si. Mecânico, pensava nas chances de desaparecer por completo. Já era quase intangível, mas queria tornar-se de uma vez impensável.

Uma malha branca recobria pedaços do céu, pela janela apertada (que se parecia muito com um sorriso forçado) podia ver pedaços brancos de algodão boiando melancólicos num azul sereno. Ali soltas, intangíveis,impensáveis, não pensantes e absurdamente imagináveis. Podiam ser tudo que a retina permite. Podiam passear discretas sem ninguém lhe deitar o dedo. Suspirou.

Decididamente ele queria ser uma nuvem. Abriu a boca da janela, e sentou no beiral. Estendeu os dedos para o algodão e deitou-lhe ali os pulsos. Deixou-se suave. Caído. Branco. Intangível. Impensável.

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