quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Três cantos ingratos num canto minguado do quarto

Terceiro canto

E quando eu voltei ela estava longe

Arranjei uma boa desculpa pra me desesperar, abri a porta da sala e você não estava lá. Filha da mãe! Conseguiu fugir pela janela de um porta-retratos. A poeira não foi rarefeita o suficiente pra inibir sua certeza. E mesmo arranhando azulejos, deixando unhas de presente sobre a mesa, foi embora em menos de uma semana de loucura. Não agüentou o baque meu bem? De ficar presa atrás de uma porta de ferro? De gritar e ninguém ouvir seus berros? Você se liquefez em tristeza por baixo daquela porta pra me sentir mais uma vez, precisava da minha droga, espremer meu coração, mas esqueci de contar que a inércia causa alterações, e ao invés do suco doce que esperava, salivou meu peito uma bílis asquerosa. Eu ri. Ri horrores da sua cara de insatisfação e medo. Do outro lado da cama, ardendo num desejo afoito, queria cortar-me os dedos. Levou até mesmo de recordação um de meu lençóis na esperança dele conter apodrecidos beijos, mas porque minha cara não me arrancou alguns poemas? Alguns vestígios de doçura plena de lirismo? Era mais simples e seria até mais bonito de se pendurar na parede. Tomei um café forte, liguei a TV, um filme qualquer tomou o espaço destinado a você, qualquer coisa serve, a morte de um cão, as ofertas do Polishop, o último capítulo da novela. Você sempre volta mais cansada a minha porta. E eu sempre te prendo na minha cela. Somos doentes eu e você, mas quem admitir vai perder. Huahahahahahahahahahahah..você se diverte fugindo de si, achando que eu vou te dar algum conforto, não vê que eu sou louco? Que eu não tenho nada além de facas para extirpar suas tristezas? Apenas pequenos contos de Sade pra te satisfazer. Martelar seus dedos do meio só pra montar uma ponte até uma estrela qualquer ou até o supermercado mais próximo. Só mesmo você. Sério, só mesmo você. Eu não tenho campainha, mas quando quiser, é só me passar um pãozinho mofado por debaixo da porta. É a senha para os nosso jogos mortais. Você colada à porta e eu do outro lado rindo do seu suspirar. E se em algum momento de tédio suspiro no seu corpo de ferro oxidado, você me deixa na solitária por dois dias ou mais. Tanta gente pra ser minha enfermeira...e tinha que ser alguém tão bela e louca como você. Posso ouvir seus passos no corredor. A janela é do mesmo tamanho de sempre, o mesmo porta-retratos cinzas, mas não espere que eu ria pra você.

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