sexta-feira, 27 de março de 2009

Do diário de André - Passeios

Passou a ponte em Z. Atravessou a praça de luzes amarelas e recortes cinzentos. A cada passo um sombra projetada com mais duas encadeadas. Na igreja um nome apagado. Andava lendo os pixos e as letras. Cartazes. Letreiros. Panfletos. Fachadas. Nomes em camisetas. Procurava palavras que pudessem se distinguir do dicionário. Um código viável. Estalava a língua. Fazia calor e ao mesmo tempo ventava. Cruzou a Vieira sentido centro. O celular no bolso sem nenhuma mensagem. A agenda sem nenhum compromisso. Mas insistia em sumir. Dizia-se sempre muito ocupado. Saia cedo assim de casa e só voltava lá pela meia noite. Fingia cansaço e indignação. Mas rodava as horas com inquietude por ruas que já o sabiam de cor. De forma. De fonte. Não fazia nada. Não tinha nada para fazer. Rodava cinzento vendo as pessoas trabalharem, comerem e tudo mais. Não tinha um puto no bolso, isso se explicava com seus tantos cursos e compras. Que estavam sempre emprestadas. Que o mantinham sempre ocupado. Em verdade, não tinha nada e salivava. Fazia do seu desvario uma razão para permanecer estático. Em frente a praça sem dar um passo. Apenas imaginar a cavalgada. O ônibus da sanidade passou e ele nem viu. Rodando as ruas como um escravo de suas próprias alienações. Impedia-se de ser homem, menino ou até mesmo inseto. Rodava indefinido entre as estrelas de asfalto, pintadas das paredes dos salões e lojas. Passava ao largo da realidade. E a noite voltava sedento e cansado de suas próprias habilidades e incursões. Falava e manejava o ódio, as represálias e as caricias como um espelho, uma rua de mão única. E os dias passavam entre trabalhos imaginários e amores não consolidados, masturbados três vezes ao dia em lugares variados.

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