quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Dance floor

Pela primeira vez em muito tempo eu estou feliz. Realmente feliz.

Foram suas palavras debaixo da chuva que caia e molhava ainda mais seu corpo. Que antes se recobria de uma camada brilhante de suor e poeira. Descia a rua contagiada pelo movimento rítmico da música. Naquele movimento nada mais importava. Queria ser livre. Sentir o corpo fora da amarra. Queria por pra fora toda a frustração e toda dor. O chão respingava de suor e chuva. Sentiu a camiseta se fundir ao corpo. O ritmo dos quadris pareciam mover a terra em círculos máximos e espaçados. Tinha as mãos cheias de ferrugem se dilatava de acordo com o movimento. A cada passo sentia-se mais fora de si. E sentia-se realmente feliz por isso. Era extremamente claustrofóbico morar dentro de si o tempo todo. A principio resistiu. Discutiu. Ouviu todos os argumentos. Mas não havia mais jeito. Havia se infiltrado em suas veias como uma droga. A redenção parecia próxima e quase sufocante. Aí veio a chuva. E enquanto todas as superficialidades e acessórios se escondiam nos bolsos, toldos e guarda-chuvas, ela dançou a noite toda debaixo de uma chuva torrencial. Sentindo a roupa colada em seu corpo. Como se estivesse nua. Declaradamente avulsa. Sem senso. Apenas o movimento. E não era sexual. E não era delicado. Era visceral. Como se algo de selvagem quisesse escapar de seu corpo. Como se algo de anormal quisesse pousar na sua vista. Gritou ainda no meio de um bilhão de corpos avulsos que ora se compactavam numa massa ondulante ora se infiltravam nos vãos do calçamento. Gritou para que todos os pensamentos tensos saíssem de si de uma vez por todas. Estava cansada de museus. De fracassos. De visitas. Mausoléus que queriam habitar seus lábios mais uma vez com a brevidade de um por do sol. De um gozo. De um escarro. Deixou desprender-se de si junto com o suor todo o amor e toda a fissura das suas torturas mentais. Enfiou o orgulho numa caixa preta e o deixou colado ao peito. Dentro da pistola. Pulsando. Mais uma vez pulsando. Celebrando em silêncio algo que se transformava. Era um ato de despedida. Seu nariz sangrou. O sangue escorreu. A tensão aumentou. O corpo pendia no asfalto. Suave. Leve. Risonho. E acudido mais uma vez por fantasmas agradeceu a gentileza e o cuidado, mas estava irresoluta em não dar ouvidos ao passado. Que lhe abanava o rosto e lhe botava algodões no nariz. Agradeceu com um sorriso e voltou para a pista.

Eu não quero mais.

Afastou-se na rua molhada. Soltando os algodões sangrentos na lixeira, dissolvido sangue, rosáceo no seio do asfalto. Voltou a música. E o seu corpo ditou a penitência por anos de obscuridade.

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