quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Dois lances de escada

Desceu as escadas apressadamente. Sentiu a gola da camisa mais apertada que de costume. Arrastou-se para fora do elevador com ar pesado. Sentiu a vista tremula e a pele em fogo. Tinhas as pernas lentas e a veia em brasas. Sentiu a roupa mais justa do que realmente estava. Passou a mão no bolso oito vezes num minuto: tinha a certeza que o celular tocava quando este estava mudo. Passou pela portaria sem dizer bom dia. Passou pelo vendedor de balas sem dizer bom dia. Atravessou a avenida sem olhar para os lados. Estendeu a mão fria sobre o balcão da cafeteria num gesto de cansaço. Não havia feito nada era o começo do dia. Afrouxou a camisa que parecia sufocar. Pediu um café com a voz mais baixa que uma confissão. Ouviu mais ruídos que o normal. Sentia-se terminantemente mal. O café desceu amargo e queimante. A mão subiu a boca num soluço. O olho ardeu num instante. Sentia-se revirar brusco. Olhou alheio para os rostos no reflexo do vidro. Disformes pontos e linhas que não se encontravam. Debruçou-se sobre o balcão e permaneceu suado, mudo e estático.

Desceu as escadas imensas antes que ele acordasse num susto. As mãos ainda úmidas no corrimão. Esqueceu-se do elevador. Queria espaço pra respirar. A mão sentia tremula toda a forma que era reta. Mas havia uma curva em sua boca semelhante a um riso. Removeu do dedo o anel que ainda estrangulava. Tirou com um lenço um resto de maquiagem que pendia do rosto solto. Saltou a rua e ganhou espaço. Dando bom dia a todos os passantes e passados. Perdeu-se na rua invertebrada, dando curvas na espinha quando espichava. Comprou um sorvete eram sete da manhã. Passas rum e avelã.

Ele rodopiou parado. Maldita. Vadia. Filha da puta. Ela havia levado sua última seringa...a parte mais móvel do seu coração.

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