terça-feira, 1 de setembro de 2009

Quando a solidão chegou em casa

Lenta e dolorosa se arrastou pela sala a solidão. Em passos delicados, andava sobre fios prateados de saliva e suor que se entrelaçavam pelos móveis, em taciturnas pontes cristalinas. Deixou que seu paletó caísse por sobre a cadeira de cor tabaco, pesada e austera como tudo que a cercava. Porque apesar de ser mulher a solidão por vezes era homem e por vezes era leve e por vezes ria a toa. Mesmo no remanso da morte ela ria solta sem abrir a boca. Sem mover o músculo. Tinha o dom de mover para o passado até mesmo o machucado instantâneo do joelho batido. Pra casa da infância perdida tudo ia parar. O ontem era uma coisa impossível. As polaróides que ainda restavam em alguma gaveta eram coisas estranhas. Seus olhos fundos não sabiam desenhar aquelas figuras tropeçadas ao acaso na retina.

Deixou o corpo cair no espaço vazio, flutuar mesmo de uma janela a outra, a Lua lá fora espiava alguma outra janela. Uma pequena portinhola no meio de um paredão concreto de cimento. Cinza escurecido pela luz das estrelas recém despertas. Olhou ali do parapeito para aquela janela solitária. Mas como podia uma janela ali no meio do nada ser mais solitária que a própria solidão que dançava sobre fios de prata no ar da sala?

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