sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


Dentro das gavetas do armário do banheiro mora um homem chamado bomba

As crianças são sempre muito cruéis. Não existem verdades absolutas, nem mentiras. Existem coisas que se encaixam e outras que não. As que se encaixam você aceita ou contesta, as que não você ri. Uma lógica simples e por isso mesmo cruel,para o mundo dos adultos, tão cheios de meias linhas, meias palavras, sentidos ocultos. Acho que ainda sou meio criança, e creio que isso me torna duplamente cruel. Primeiro por não ser mais criança e continuar a enxergar (em muitos pontos) como uma, segundo por ser naturalmente caustica e cruel comigo e com tudo ao meu redor. Uma espécie de ironia nada convincente. Uma tristeza descabida e mórbida. Feroz. Muitas palavras caberiam numa folha pra tentar dar nome aos meus métodos. Mas não desperdiçarei meu tempo com as nomenclaturas. Já perco tempo demais pensando nelas. Tive meu dia de cão. Cheio de negritude por ações minhas, convoquei as trevas e me esqueci que uma vez convocadas elas viriam. E elas não costumam avisar a hora, nem telefonar um pouco antes de tocarem sua porta. Elas simplesmente dizem “Salut” e vão se sentando no sofá e abrindo as gavetas da sua cabeça. Riem das suas fotografias e dos seus poemas, mesmo aqueles que você só sonhou escrever. São bem folgadas. E elas não costumam ir embora quando sutilmente você berra “Fora”. elas param o que estão fazendo e por um instante ficam serias para depois caírem numa gargalhada imensa e profunda. Assim são as trevas, os dias ruins, os dias de esmagar teclas e pedaços de papel. As crianças não tem esse problema. São sempre tão diretas, não abrem portas para estranhos, não dizem meias verdades. Elas mentem mesmo. E pronto. Simples assim. Elas não ficam tristes quando ouvem essa ou aquela musica. Elas esquecem. Foi dado a elas o privilégios do Letes. Inveja. Mas se assim mesmo algo ruim se bater sobre suas cabecinhas elas ainda terão a morna mão de suas mães. Depois de um tempo, você vê como a vida era simples e fácil, como era tudo uma questão de sinceridade e não de diplomacia. Agora é tudo uma questão de sorte, de pensamento e de mascara. Eu não sei fingir muito bem. As pessoas sabem quando as trevas me visitam. Sabem que eu não tenho mais nada para dar naquele momento. Elas me olham através das pilastras de sustentação da sala e devem pensar “ merda”.
Realmente merda, esse é um daqueles dias que até os sorrisos arrancam sangue. Por que você percebe finalmente até onde se estendem os braços da sua loucura, isso mesmo, sua loucura. Que sempre é você que quer o que não pode ser seu. Que sempre estraga os brinquedos antes que o tempo os faça. Que é sempre você que espalha as migalhas de pão da toalha da cozinha no chão sem aviso. É sempre você. Não há mais ninguém. E por mais que chore, que sua cara inche,ninguém virá mudar seu coração de lugar. Ninguém virá desengatilhar a pistola na sua testa. Ninguém mesmo. Porque você feriu a todos com suas palavras ocas, suas atitudes malas, e tudo estava tão claro. Você era o erro, todos sabiam, só não queriam dizer a você. Porque sabem o quando é sensível, e que isso só poderia partir da sua rodoviária e de nenhuma outra.
E você simplesmente dá as costas. Não tem coragem suficiente para resolver, para dizer que sente muito, até porque isso não muda nada. sufoco. Sufoco. Porque diabos retirar o ar daqueles pulmões parecia tão certo? Porque se cobriu de gloria e de vitima enquanto tentava embalsamar aquele corpo, que você julgava um cadáver? Afinal de contas com quem você está falando? as paredes não vão te responder nada, nem essas folhas de papel, nem suporte algum que você pense. Algumas respostas são tão simples que chegam a doer. Essa é uma delas. Olhe pra mim, vamos lá olhe pra mim, sim eu, aqui do outro lado do espelho, da tela, da janela, da parede, de onde a sua imaginação quiser. Apenas se debruce sobre mim um instante, com atenção, quase num beijo que eu vou te dizer meia dúzia de palavras que você com certeza já pensou, ate rascunhou num desses seus poemas, mas que botou na boca de outros. Pronto?
Sabe porque era tão importante, ou ainda é, retirar o ar daqueles lindos pulmões? Sufocar aquele riso até ele ficar seco? Porque você tem tanto medo de ficar só, tem tanta necessidade de ser amado por alguém, que beira a doença a sua doação. Você nem mesmo sente o que diz, você sente a dor que diz, mas só isso, porque se habituou a esse masoquismo cretino. A essa perversão. Tem tanto medo das coisas simples,tanto medo de errar, de que riam de você de novo, que planta pequenas mentiras, pequenas animosidades que não sente pra ter o que fazer. Sente-se tão só que precisa agarrar a primeira pessoa com tanta sofreguidão, que a estrangula antes de completar a primeira frase. Antes que ela tenha chance de te salvar. E sabe o que é cômico nisso tudo? Ai, é que elas riem de você. Da sua falsa modéstia, da sua exagerada felicidade. Da sua infantilidade. Elas riem de você o tempo todo. Todos cochicham quando você passa, porque eles sabem da sua obsessão. Eles sabem da sua crueldade. Que há em você duas faces e que ambas são ridiculamente pobres.
Opa, ta inteiro ainda? Digerindo? Quer voltar a conversa das crianças? Acha mais saudável?
Merda. E se eu me esquecer disso tudo pela manhã? Se eu simplesmente não conseguir ser tocado por esse sarcasmo? Se eu não conseguir mudar? Será que ainda haverá um você algum dia? Tenho quase certeza que não, que serei sozinho, afastado de todos que podiam ter me dado algo. Que eu os afaste com minhas indelicadezas certeiras. Seria muito mais fácil voltar a arremessar cadernos, livros, pedaços de madeira e cadeiras para aliviar a raiva. Agora as gavetas foram abertas e não há como fechá-las novamente sem derrubar algumas coisas, jogar outras fora.
Sorte das crianças...porque suas mães arrumam as gavetas.

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