quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Karma father

Mais uma vez ele chega sem aviso. Me olha por sobre os ombros. Posso sentir seu hálito. Olho contrariado. Odeio pessoas me observando do nada, pra nada. ele faz um comentário qualquer e puxa um banquinho de plástico branco debaixo da mesa. Me vejo obrigado a parar minhas ações e escutar sua narração da semana. Como o chefe é idiota, como isso, como aquilo. Os planos e as certezas e as perguntas e as incertezas. E no fim de cada comentário um “Não é?” meneio a cabeça afirmativamente ou digo sim. Ele sabe que eu odeio essas conversas. Ele sabe que eu odeio 90% das vezes que ele abre a boca pra falar comigo. Mas ele insiste. Ele está tão carente. Ele é tão parecido comigo. Pai e filho. Filhos da mesma frustração. É genético. Nascemos para achar que somos super-homens e toda noite constatamos que não passamso de formigas, de restos de reboco caindo ao toque de qualquer mão. Ambos somos insuportáveis. E sabemos disso. Pelo menos sabemos isso um sobre o outro, de nós mesmos eu já não sei. Todos os seres humanos, tirando os “ascetas” negam a sua deficiência. A sua mecânica carência. Essa necessidade de falar. Esse vicio da boca. Essa latrina que adora despencar sobre os outros as glorias, as verdades e as delicias de nossa existência. Disso tudo estou ficando farto a começar por mim e por ele. Somos faces da mesma personagem. Temos as mesmas necessidades de louvor. Mas eu não tenho paciência, justamente por saber que infrinjo a outros essa mesma tortura do meu ego. Somos indispostos. Ele será sempre meu lembrete, meu Farnese escondido. E eu sua visão periférica e terrível sobre a juventude, a mascara da imbecilidade, do impulso turvo que ele quer esquecer. Eu sou tudo que ele não queria que eu fosse. Ele queria um desafio,eu fui menos que um caça-palavras. Frustrado. Sua prole não estava a sua altura. Sua prole era fraca. Eu sou fraco. Eu não sou feito de ossos maciços nem de alicerces anti-aéreos. Eu sou apenas isso, um saco flácido de palavras e pequenas emoções. Apenas isso pai. Nada mais que isso. Eu poderia ser mais, senão fosse a trajetória autodestrutiva que escrevi. Não tenho intenção de desviar do muro meu caro. Eu quero bater, sumir, fazer desaparecer qualquer traço em mim que recorde você. Me tornar um estranho. Já somos estranhos um ao outro. Só não admitimos isso em palavras na mesa de jantar. Minha coluna dói envergada sobre a mesa, tentando me esconder do seu olhar perscrutador, que tenta invadir todos os meus resíduos em busca de uma resposta para todo esse desconforto que sentimos um na presença do outro. Não tente. Pare de tentar. Eu não vou tirar a chave pra que você veja através da fechadura. Não mesmo. Eu não sei o que há do outro lado, porque você, justo você haveria de saber? Tento de todas as formas descontar em você, de dar toda a culpa e credito por essa bagunça que me tornei. Mas eu sei que essa é só uma forma infantil de cobrir o problema. Eu não queria que fosse assim, mas essa minha indisposição faz parte da personagem que construí pra atuar com você. Já não posso modificá-la. Quer dizer,não quero ter esse trabalho. E também não faz mais diferença. Todo o estrago já foi feito. A casa ruiu por dentro. Os cupins destruíram tudo. Você continua falando enquanto meu olhar vacila entre a janela e as canetas sobre a mesa. Você sai discretamente, ouviu a voz de minha mãe na cozinha. Sai. Deixa o banco na mesma posição e depois me chama para o almoço. Mais uma conversa que nunca existiu.

Um comentário:

  1. cris incrivel...o texto é relativamente longo mas muito denso...naum tiraria uma frase dele está muito bem articulado..será q posso usar a palavra enxuto para um texto deste tamanho? rs mas é o q ele é bjs
    ovisionario ou guilherme tanto faz rs

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