segunda-feira, 5 de janeiro de 2009


De como Danilo tentou se matar numa sexta-feira

Todas as coisas convergiam para a diversão suprema do álcool. Minha cabeça ardia pensando, pra variar, numa mulher que não me queria. Um mundo limitado descendo a rua Augusta numa turba de vozes. Agora arrastadas. Sugadas por garrafas de Natasha vagabunda. E eu que pensei que a idade melhora as pessoas, a verdade é que não existe uma idade pra imbecilidade. A reunião de mais de três seres humanos é o bastante para dar cabo de qualquer idéia idiota que se tenha. De matar o presidente a furar os pneus da moto da sua ex. tudo depende é claro do espírito de camaradagem alcoólica das pessoas que estiverem com você. Coragem coletiva. As luzes alaranjadas deixavam rastros perceptíveis. Meus olhos pareciam mais lentos. Os rastros vermelhos dos automóveis e as buzinas pareciam diluídos dentro de mim. Como se ecoassem dentro de mim. É a mesma sensação de tentar escrever um poema bêbado. No dia seguinte você não tem idéia do que estava escrito. Assim acontece com as imagens e sons, fica só uma vaga lembrança das coisas que deveriam ser. Da onde aquelas borrões pertenceriam? Nem deus sabe. Mas enfim, bares, ruas, asfalto quente e perturbado, pés tortos e disformes seguindo uma pista, um farol. As pessoas deviam ser dotadas de cérebros extras e não de corações. Essa é uma boa idéia para os cientistas. Uma boa saída para o numero de assassinatos, suicídios e demais atentados. O coração é uma droga de pistola mirando sempre o meio da nossa testa. Nessa bagunça de ruas, frases, corações e pistolas estava Danilo. Seu coração estava ferido, mas ele queria mesmo era uma idéia de amor e não o amor em si. Pelo menos era isso que ele me diria depois. Ele sempre foi mais de idéias do que de concretudes. Mas ele estava lá. A sua pistola estava carregada e apontando bem no centro de sua testa turva. Ele nem percebeu quando o tanque se encheu e o álcool começou a transbordar do seu corpo. Ele nem viu a setinha indicando que a tampa havia estourado, que a razão tinha ido pro espaço. Ele tinha consciência apenas daquela pistola pulsando e da sua tese. Havia portas de metal. Havia sangue nas portas de metal. Havia nacos de pele morena nas portas de metal. E havia os urros de um coração amargurado, que graças ao tempo, se sentia solto para cantar suas melodias. E olhe só, nenhuma era agradável. E eu estava lá, cambaleando egoistamente dentro dos meus probleminhas sentimentais e ocos. Vi o copo de conhaque subir e descer dos seus lábios. Vi o guardanapo sujo do bar se respingar. Vi o seu olhar se desviar daquela garota. Vi seu olhar tentando controlar aquela doença toda. Isso foi o eu vi. O que eu não vi foi depois da curva. Depois de chutar as portas, depois de um beijo furtivo e convulsivo daquela garota em outra boca que não a dele. Eu não vi mais as rédeas. Eu vi meu copo voando pela incapacidade de conte-lo. Eu o vi atravessando a rua cambaleante. Eu vi sua sombra sumir e se confundir com outras tantas. E eu me vi dentro do bar novamente. E vi as coisas se desmancharem, até mesmo minhas pequenas raivas, angustias, amores e desejos. E eu não o vi no sábado. Domingo. Segunda. Terça. Quarta. O telefone não tocava e eu o xinguei. Especulei sobre suas ações. Tentei fazer dele uma exemplo a favor da minha obsessão. A favor das minhas pequenas incongruências. Dos malefícios que eu infringia a alguém. Como escreveu Huxley na boca de Walter: infringir amor é a pior forma de egoísmo. E ai eu parei pra pensar na hipocrisia dos meus discursos, no quão vago era o meu conceito de amor. De querer. Eu podia perseguir alguém, sufocar com tanto querer. Esmagar. Era isso o que eu queria? Mas o fato é que ele apareceu na quinta e me disse que tinha dobrado a esquina e se jogado em cima de um carro. Queria testar sua teoria desesperadora sobre a merda da vida. Ele a viu quase engasgando entre os machucados e o asfalto e o metal sei lá de que cor do carro. Podia ter sido trágico e eu não saberia. Se ele não tivesse me contado eu talvez acreditaria na desculpa do Box.

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