segunda-feira, 5 de janeiro de 2009



E a noite é varada por dois espetos de churrasco

Não consigo dormir. Tenho medo de ligar a TV e ela explodir. Tem faíscas azuladas dentro dela prontas pra saltar e queimar tudo em volta. Ou simplesmente fazer um pouco de barulho e fumaça. Prefiro sempre as hipóteses mais catastróficas e por tabela mais demoradas de saírem da memória. Um modo tosco de ocupar o tempo. Está frio. A chuva da madrugada escarra levemente sobre os telhados fazendo um ruído até gostoso pra dormir. Mas minhas pestanas não querem fechar, são como cortinas de teatro que não perceberam que o espetáculo acabou e o teatro será demolido. Até as menores partes do nosso corpo são dotadas de idiotice.
E eu fico com os olhos pregados no teto do quarto,curtindo as teias de aranha e imaginando roteiros ou tentando lembrar de coisas idiotas, como a primeira vez que eu pensei em cinema. Tinha uns dez anos quando improvisei uma claquete, e eu que nem sabia o nome daquela coisa quadrada e preta, e com um cone de linha imitei um daqueles megafones do Fellini e ficava berrando com meia dúzia de bonecos de pau e uma amiga tão xarope quanto eu. Essa com certeza foi a primeira vez que eu dirigi alguma coisa. Hoje nem carro eu dirijo. Do lado de fora da janela não há nada além de uma escuridão azulada e fria. Um carro passa. Imagino seu motor. Já que os fones de ouvido não me deixam ouvir nada direito. Na verdade eles me fazem escutar de um modo bem estranho. Chega a ser constrangedor comer bolacha usando fone. Tenho a impressão de ter duas placas tectônicas no lugar dos dentes que ficam rangendo e fazendo um ruído apocalíptico.
E eu fico pensando em uma garota. No meio dessa baderna toda fico pesando meus sucessos e infortúnios. As vezes fico imaginando como tudo seria mais fácil se não houvesse a razão ou a moral. E se não houvesse o cinema. Afinal, ele é o maior propagador de comportamentos e idéias que existe. Está em quase todos os lugares, em todas as línguas. Tem capacidade de assustar, de emocionar, de machucar até. Porque quando estamos sensíveis até o vento machuca. Tudo é uma recordação. Tudo faz alusão a nossa dor. Pelo menos, é isso que imaginamos. Nos colocamos no centro do universo e vamos ao cinema ver Closer e morrer de chorar por quatro dias seguidos. Ou num ato maior de masoquismo, alugamos a referida fita pra morrermos de chorar no conforto do lar. É sempre muito estranha a relação que desenvolvemos com as coisas. No meu caso em especial, com aquela grande tela branca e com os livros da Clarice. São duas coisas que me deixam extremamente feliz ou querendo me jogar na frente de uma Brasília. Pra morrer de tétano lentamente. É uma relação de amor e ódio.
Ainda não consigo dormir, o relógio fica piscando pra mim, meio vagabundo, me convidando para a cama. Mas eu não quero ainda. É cedo. A noite é fria. E eu não vou descansar até ouvir todos os meus CDs de musicas tristes e cabisbaixas. Quero que as estrelas desçam e venham me pedir silêncio. Quero importunar mesmo. Perfurar os olhos da lua com dois espetos de churrasco e ficar olhando ela se balançar sem saber o que fazer. Isso até daria um bom curta. Meio merecido com Méliès. Com um leve toque de Smashing Pumpkins...

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