sexta-feira, 9 de janeiro de 2009


Pequena história para uma menina sem olhos

Havia uma menina que vivia de olhos fechados e havia uma risca no meio da sala, que dividia entre a casa do pai e a casa da mãe dentro da mesma casa. Confusa divisão de gostos. O lado do pai cheirava a miolo de acém e o som azulado da TV imperava. O lado da mãe cheirava a flores e a música tinha pernas e ficava dançando pra todos os lados e com todas as coisas. Isso a menina sem olhos podia ouvir,mas ela não sabia qual lado era qual, a não ser pelo cheiro. O problema é que a sala era pequena e ela se confundia. Ficava andando de lá pra cá encima da linha. A linha era branca, mas podia ser azul, verde ou amarela. Ela se equilibrava e tentava pensar em qual lado escolher. Os dois tinham suas vantagens e desvantagens. Se agachava sobre a linha e olhava sem ver os mundos a sua disposição. O tempo passava e nada dela se decidir. O tédio começou a corroer os seus pequeninos dias. Pois até as crianças ficam entediadas. E não havia nada para fazer além de pensar,escolher, pesar. Uma pequena paranóia cresceu no oco dos seus olhinhos. Se ela pudesse ver como eram os mundos poderia escolher e sair da chatice da linha. Que idéia genial! Se ela pudesse ver! Uma coisa tão simples, que todo mundo faz. Por que ela não poderia? Tentou abrir seus olhos, tentou ver. Mas só conseguiu ver o de sempre, sombras. Os dias foram passando e ela continuo a tentar abrir os olhos, mas os músculos estavam atrofiados. Todos os dias ela tentava abri-los,um certo desespero tomou conta de seu coraçãozinho, a pistola começou a engatilhar cedo bem no meio de sua testa. Ela tentou abri-los com os dedos, mas só consegui sentir uma dor lancinante. Os buracos ocos se alargavam até ocuparem metade de seu rosto delicado. Pensava, pensava. Não havia mais como abri-los. Que terror tomou conta dela. Os mundos a sua disposição pouco importavam naquelas horas e o pior de tudo é que ela nem se lembrava mais porque os havia fechado. Talvez se lembrasse conseguiria abri-los, como por mágica. Mas ela tentava lembrar e não conseguia. O cansaço sacudiu seu corpo. Cansou de pensar, de esperar, de tentar, de lembrar. Deitou-se no meio da linha e dormiu. Ficou assim dormindo sem sonhar por muito tempo. Muito tempo. Uma hora cansou de dormir, porque era igualmente tedioso, a mesma coisa de estar acordada. Mas o tempo havia passado, suas pernas eram maiores e o buraco dos seus olhos também. E havia agora pequeninas linhas abaixo deles. Podia sentir com a ponta de seus dedos,que agora também tinha linhazinhas. Se levantou e bateu a cabeça no teto. Agora ela sabia que havia um teto. Apurou os ouvidos e o nariz: a música ainda dançava e o azul da TV cheirava a acém. Nada havia mudado. Mas ela já não era a mesma,mas a duvida, ah, essa continuava a mesma. Pensou. Mas desistiu o martírio novamente não. Puxou um dos seus braços com força e depois uma perna e jogou-os para um lado. Puxou os ocos dos olhos e jogou-os para o mesmo lado, o que sobrou tombou para o outro lado. Pronto! Estava feito, tinha os dois mundos. Os dois mundos? Estava pela metade de novo. Insatisfeita. Os ocos de seus olhos nada viam,as suas pernas não dançavam e sua boca não comia. A linha permaneceu vazia. Mas a musica perdurou. A luz da TV perdurou. A menina não. Ela pensou demais sem pensar. Fechou os olhos sem motivo e não pode mais abri-los. Pobre menina sem olhos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário